Crítica | Napoleão – Caos visceral em estudo perspicaz do ego frágil

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Ridley Scott (Gladiador, Casa Gucci) mergulha nos intricados meandros da história com Napoleão, enfrentando o desafio de conferir interesse a uma trama que, à primeira vista, carece de apelo público. Reconhecido por sua versatilidade, o diretor aborda a vida da figura controversa de Napoleão Bonaparte, mas o enredo parece se desviar de pontos cruciais e opta por contar uma narrativa superficial e com aquele típico olhar adocicado do cinema contemporâneo.

O filme, que está chegando aos cinemas, oscila entre a tradicional cinebiografia e uma desconcertante carta de ódio ao líder militar, falhando em estabelecer uma identidade narrativa sólida. Mesmo com o roteiro evitando excessos ao não glorificar demais as conquistas do ex-imperador, Napoleão o reduz a um homem minúsculo e frustrado, aparentemente sem mais contribuições a oferecer. No entanto, em meio a essa ambiguidade, quem brilha mesmo (mais uma vez!) é Joaquin Phoenix (Coringa), cuja interpretação feroz e selvagem mantém nosso interesse vidrado na tela por boa parte do tempo.

A trama e o elenco de Napoleão

Ao abordar o período tumultuado da Revolução Francesa, o filme inicia sua jornada com Maria Antonieta à beira da guilhotina. Nesse vazio, Joaquin Phoenix entra em cena como o ainda impopular Napoleão, um comandante corso de 24 anos, cujo intelecto estratégico se destaca, mas que é eclipsado por suas ambições profissionais. A trama se desenrola em torno de sua ascensão ao poder, destacando suas conquistas militares que, eventualmente, o conduzem ao trono como imperador.

A relação tóxica com Joséphine, interpretada belíssimamente por Vanessa Kirby (Pieces of a Woman), é central para fazer a máquina funcionar, elevando a narrativa a um campo de batalha emocional, onde a luta pelo poder se desdobra por meio de declarações de fé e necessidade. O roteiro de David Scarpa – que escreveu Todo o Dinheiro do Mundo, de Scott, e o ainda inédito Gladiador 2, constrói um romance bastante complexo e cansativo, que por vezes tira o ritmo da obra.

A performance magnífica de Phoenix é o verdadeiro ponto alto. Sua abordagem física e psicológica do personagem transcende a mera estatura, retratando um Napoleão atrofiado emocionalmente, um homem em desenvolvimento interrompido que se revela mais complexo do que sua figura histórica tradicional sugere. Os lapsos de autoconsciência e os ataques de raiva, habilmente interpretados pelo astro, proporcionam momentos de humor e revelam as camadas de insegurança e ambição que impulsionam o personagem.

Scott, conhecido por sua habilidade em criar cenas épicas e caóticas, não economiza na representação visual das maiores batalhas da era napoleônica (mesmo seguindo o freestyle para algumas delas). As cenas de guerra, encenadas em câmera lenta e com o apoio de efeitos visuais impressionantes, capturam a grandiosidade e a brutalidade desses eventos históricos. No entanto, a ausência de uma exploração mais profunda da estratégia e do gênio tático de Napoleão deixa uma lacuna na narrativa, tornando as batalhas menos envolventes do que poderiam ser.

Ao abordar décadas da vida de Napoleão em menos de três horas, o filme, apesar de tecnicamente impressionante, deixa uma sensação de que poderia ter se beneficiado de uma abordagem mais extensa. A comparação com a visão do cineasta francês Abel Gance, em 1927, que dedicou mais de cinco horas à história do líder, suscita a curiosidade sobre o que poderia ser revelado em uma versão mais longa do filme de Scott. Em seus momentos mais íntimos, Napoleão assume uma qualidade engraçada e estranha, e inesperadamente se revela um estudo perspicaz do ego frágil que habita os corredores do poder, uma análise que ressoa até os dias atuais.

Veredito

Ridley Scott entrega em Napoleão uma narrativa que sintetiza a complexidade histórica com uma visão cinematográfica que busca o cool pelo cool. O filme, embora tecnicamente impressionante, padece da simplificação excessiva ao comprimir três décadas em um supercorte de eventos. Scott destila humor e ironia ao desmistificar um ícone histórico, expondo a fragilidade por trás do poder. Sua abordagem ácida humaniza um Napoleão ridículo e frágil, oferecendo uma perspectiva que ri das figuras de poder e sua natureza infantil.

Apesar das deslumbrantes sequências de batalhas, o filme, ainda que um pouco sonolento, entrega uma narrativa visualmente envolvente e uma crítica sutil à megalomania, revelando que, mesmo os titãs que moldam a sociedade, são, no fundo, apenas crianças birrentas em seus quartos solitários. Napoleão é uma jornada Scottiana padrão, uma mistura de entretenimento escapista e crítica social óbvia ao patriarcado. Mesmo com falhas evidentes, permanece uma experiência que vale o ingresso.

NOTA: 7/10

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