Crítica | Não Abra! – Experiência que nos desafia a dormir com as luzes apagadas

É sempre um prazer observar um filme que se desvia das trilhas desgastadas da cultura norte-americana. O mundo está repleto de lendas sombrias e histórias macabras esperando para serem exploradas, e o gênero do horror é uma maneira soberba de mergulhar nas profundezas das crenças de culturas ao redor do globo. Não Abra! (It Lives Inside), proveniente da mesma produtora do clássico Corra!, é um exemplo recente dessa safra de cineastas inovadores que buscam trazer algo novo para as telas, mesmo enquanto bebem das influências já estabelecidas.

Embora o filme não seja isento de falhas, ele consegue capturar uma energia admirável na tentativa de escapar das amarras de Hollywood e entregar uma trama sombria e original. E esta audaciosa iniciativa merece reconhecimento, especialmente porque o terror que ele oferece é mais do que capaz de manter as luzes acesas durante a noite.

A trama e o elenco de Não Abra!

A história gira em torno de Sam, uma adolescente indiana-americana que reside em um tranquilo subúrbio ao lado de sua mãe conservadora e seu pai assimilado. As tensões culturais de Sam atingem seu ápice quando ela quebra o misterioso pote vazio que sua amiga, Tamira, carrega constantemente consigo. O ato desencadeia uma antiga força demoníaca indiana que sequestra Tamira, levando Sam em uma busca desesperada para resgatá-la.

Nessa jornada, ela se depara com rituais mortais e uma entidade demoníaca que ameaça sua realidade com visões apavorantes. O filme exige que Sam se una a seus pais e a um professor simpático para salvar Tamira e enfrentar o terror do demônio.

Mas nem tudo são flores nesse cemitério, Não Abra! apresenta um enredo que, em teoria, deveria destacar-se no cenário de Hollywood devido às suas especificidades culturais. Porém, o filme não consegue aproveitar totalmente essa boa oportunidade, transformando uma história potencialmente rica em uma trama adolescente que carece de tensão em momentos essenciais.

A metáfora criada em torno da assimilação de Sam e Tamira parece casual e, em alguns momentos, quase insultante em sua execução. O diretor e roteirista Bishal Dutta tenta integrar influências cinematográficas indianas e americanas, mas o resultado é uma colcha de retalhos de imagens e conceitos que raramente se harmonizam, parece muita coisa e às vezes nada faz muito sentido.

O filme começa de maneira bastante promissora, com cenas de corpos carbonizados e mutilados em uma casa suburbana banhada em luz vermelha, criando uma atmosfera genuinamente intrigante. Apesar disso, essa intensidade inicial se desvanece à medida que o filme mergulha em tropos familiares do gênero e na tal criatura que o cerca.

Em algumas passagens, parece que estamos assistindo a uma aula didática e clichê sobre como um imigrante sofre bullying e preconceito na América, com a rotina diária de Sam destacando os desafios enfrentados por aqueles que tentam conciliar suas raízes culturais com a vida cotidiana. Infelizmente, essas experiências autênticas raramente são exploradas de maneira significativa no filme, pois Sam interage principalmente com personagens centrais.

O longa também parece, em alguns momentos, como uma paródia de produções sul-asiáticas-americanas recentes que tentam capturar uma vasta e diversificada experiência cultural. A narrativa é fragmentada, com cortes bruscos que interrompem o fluxo natural da história, prejudicando a já escassa tensão. A interpretação de Tamira por Mohana Krishnan, por sua vez, embora fiel ao roteiro, resvala no caricato, o que reduz a profundidade e o fascínio emocional de sua personagem.

Veredito

De fato, Não Abra! pode não ser uma obra-prima do horror atual. Seu roteiro carece de polimento e a execução de sua premissa deixa a desejar em vários momentos. Entretanto, o filme ostenta méritos notáveis, como uma ideia intrigante e momentos de susto bem-construídos. Além disso, oferece comentários sociais pertinentes, afastando-se das histórias norte-americanas convencionais e lançando luz sobre uma cultura menos explorada.

A atuação convincente de Megan Suri como Sam é um dos pontos fortes do filme, e sua performance é digna de nota, assim como o começo promissor para Bishal Dutta. Com reminiscências de O Chamado e toques de horror coreano, é uma experiência que, apesar de suas falhas, permanecerá em sua memória, seja por seus méritos ou por seus pecados cinematográficos.

Este filme foi assistido no Festival do Rio 2023.

NOTA: 8/10

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