Crítica | 1899 – Enigma inteligente que nunca deixa o espectador à deriva

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Quase 2 anos depois do final de Dark – também conhecida como a melhor obra da Netflix – é praticamente um milagre que Jantje Friese e Baran Bo Odar tenham criado outra produção tão surpreendente quanto. E sem que uma, de fato, dependa da outra para existir. Mas isso é possível graças à ficção científica, que sempre foi um dos gêneros mais ousados ​​de contar histórias. Sua falta de limitação permite que um contador leve as coisas o mais longe e absurdo possível, desde que nunca perca de vista a realidade. Claro, a “realidade” pode significar coisas diferentes, e em 1899, Odar e Friese inventam um conto intrincado, com 8 capítulos de mistérios latentes e a natureza fluida do que “real” significa.

A trama e o elenco

Com oito episódios agitados e sem perda de ritmo, a história de 1899 se passa em um navio chamado Kerberos, que abriga passageiros de várias partes da Europa e que embarcaram na jornada com um único pensamento: não voltam mais. Com a mesma energia de obras como Lost (cada episódio foca em um personagem) e Manifest, é suposto ser uma viagem de uma semana, terminando em Nova York. Mas no meio do caminho, Kerberos cruza com Prometheus, um gigante navio que desapareceu há quatro meses. Seu reaparecimento repentino intriga os passageiros e a busca por respostas os leva a um caminho que provavelmente gostariam de nunca ter percorrido.

O mistério principal gira em torno da Maura (vivida por Emily Beecham) e a busca por seu irmão, que pode ou não ter desaparecido com o Prometheus. Há também o aflito capitão do navio, Eyk (Andreas Pietschmann), que mantém um relacionamento estável com o álcool enquanto sofre a perda de sua família. Maura e Eyk se tornam as pessoas centrais do mistério, indo a qualquer profundidade necessária para descobrir os segredos de ambos os navios. O restante dos passageiros é pego em um ciclo vicioso de ódio e violência, onde uma morte segue a outra em rápida sucessão. O tempo se esgota para todos eles enquanto tentam descobrir o que realmente está acontecendo e como isso pode estar conectado ao seu conturbado passado.

Para quem ainda não viu Dark, série alemã que ganhou a reputação de ser uma das melhores histórias de viagem no tempo de todas, 1899 é mistério divertido e cativante, bem menos sutil e descomplicada que a primeira.

Acima de qualquer suspense, a trama cria um thriller psicológico revestido de qualidade técnica e visual de um drama de época, porém, para os fãs de Dark, o quebra-cabeça é ainda mais apetitoso de ser desvendado. Cada personagem é uma peça no tabuleiro de xadrez e precisa ser monitorado com cuidado, para que não seja o filho de alguém que também é seu avô.

Ainda que seja uma produção totalmente nova e independente da série alemã, ambas as histórias parecem nascer do mesmo fio, da mesma lógica, sendo que uma mexe com o tempo e a outra com a realidade.

Desde a estética sombria, obscura até a música assustadora que adiciona outra camada de estranheza a um cenário já claustrofóbico, ainda assim, há uma mudança marcante na maneira de contar histórias e no escopo de seu conceito. Na maior parte do tempo, 1899 funciona como um bom e velho mistério de Agatha Christie. Um grupo de estranhos, nenhum dos quais é inocente, se enfrentam em um espaço confinado onde tudo e todos são perigosos.

Para manter essa abordagem, o assassinato também se torna parte da história, mas as coisas tomam um rumo muito mais terrível para os passageiros de Kerberos do que para os personagens do mundo de Christie. Quando a primeira metade da temporada termina, o show começa a descascar sua fachada e a toca do coelho é apresentada à partir do episódio 5. Mergulhe nele e você pode acabar no lugar mais assustador que já conheceu: sua própria mente. O que começa como Assassinato no Expresso do Oriente termina surpreendentemente como Matrix.

E o roteiro inteligentíssimo faz um trabalho esplêndido em espalhar as pistas para os telespectadores. A resposta sempre parece estar à vista, mas de alguma forma, ela vai mais longe quanto mais perto você chega dela. O programa cria esse quebra-cabeça brilhante que você mal pode esperar para resolver, e quando o desfecho chega, ainda somos surpreendidos com um final espetacular e inesperado, mesmo que já antecipado desde o primeiro capítulo em suas múltiplas camadas. E por conta da expectativa dos fãs, a responsabilidade era enorme mas, felizmente, a série preenche todos os desejos, ainda que entregue um nível de complexidade inferior à Dark, algo que é assertivo de certa forma.

Convenhamos que Dark é aclamada por ser tão incrivelmente obscura com seu enredo que um piscar de olhos pode se tornar a razão pela qual você não consegue mais entender algum mistério. Essa abordagem a tornou um grande enigma televisivo, com todas as perguntas levando a uma resposta, mas a série também sofreu pela falta de interesse do público em geral, que se ocupou mais tentando desvendar a trama do que se divertindo com a história em si. 1899, por sua vez, não cai nesse buraco e desenvolve lentamente personagens interessantes em diversos núcleos, que nos importamos com seus destinos.

Todo o mistério e os enredos confusos são complementados pela diversidade de personagens, cada um tão atraente quanto o outro. Os atores fazem um trabalho maravilhoso ao apresentar seus medos e inseguranças, dando um vislumbre de sua bagagem enquanto fragmentos de suas memórias são apresentados ao público. As diferentes linguagens contribuem para essa sensação de desconexão, mas também dão alguns momentos muito íntimos aos personagens. É fácil investir, se não em todos, na maioria deles.

Porém, claro, esses elogios não significam que a série não tenha falhas aparentes. Há momentos em que a obra estremece e algumas de suas rachaduras vêm à tona, ameaçando destruir a narrativa que tão meticulosamente construiu. Mas tudo isso é momentâneo. A cada episódio, o ritmo da trama aumenta à medida que algumas respostas são fornecidas e a caixa de perguntas de Pandora é aberta nesse processo. Há uma resposta para tudo. O que importa é que você fique ligado tempo suficiente para que ela seja revelada. Sem contar com uma possível 2ª temporada, a história encontra soluções para as principais perguntas, mas deixa um gostinho intrigante para o futuro, afinal, quem cria o criador?

Conclusão

Dessa forma, 1899 é exatamente o que você esperaria dos criadores de Dark. Outro drama sombrio, melancólico, cerebral e misterioso, onde a maioria dos personagens, como o público, está tentando entender o que está acontecendo. O enigma inteligente – e multilinguístico – nos faz mergulhar nas profundezas assustadoras da mente humana e questionar a natureza da nossa própria realidade. De Lost à Matrix, cada nova reviravolta surpreende e funciona, sem deixar o espectador à deriva. O cérebro é mais profundo que o mar. E este mergulho vai te tirar do eixo.

NOTA: 9/10

Leia também: 1899 | Quem é o Criador? Entenda em detalhes o surpreendente final da série


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