Crítica | Blonde – O retrato miserável e misógino que Marilyn não merecia

Para qual razão existem os filmes biográficos senão prestar homenagem à uma estrela que marcou a história? E ainda que a essência do gênero seja retratar uma versão da verdade com o mínimo de interferência possível do olhar contemporâneo, parece que filmes terríveis como Blonde surgem apenas para fazer o absoluto contrário. Se em algum momento a superprodução visual da Netflix desejou ressaltar a singularidade do cometa que foi Marilyn Monroe, definitivamente não foi neste filme.

A obra, totalmente perdida dentro de uma estética injustificável – com cenas em preto e branco, coloridas e proporções de tela variadas sem o menor efeito dramático – centraliza suas energias na vida de abusos sexuais e psicológicos da estrela de Hollywood e se esquece de mostrar a mulher que ela foi. O resultado é um filme longo demais e que usa e abusa de sua protagonista da mesma forma que a “loira” um dia foi objetificada. O que muitos podem ver como uma representação dos horrores de uma vida fadada ao caos, vejo como um filme arrogante e catastrófico, que mancha ainda mais a imagem do ícone que tanto diz admirar.

A trama e o elenco

Através de uma abertura impactante e que dita todo o tom tenso e sombrio do filme, conhecemos uma jovem e ambiciosa Norma Jeane que está ansiosa para sua jornada de se tornar a inesquecível Marilyn Monroe. Porém, infelizmente o chefe do estúdio a estupra, mas dá a ela o papel. Norma se torna Marilyn, imaginando como tudo aconteceu e como sua vida de abusos a trouxe até este momento. De daddy issues à imagem de ser apenas um objeto para os homens, uma “loira burra” que só serve para agradar, Norma se culpa e fala consigo mesma sobre como Marilyn é sua fuga, sua válvula de escape e, ao mesmo tempo, sua maior perdição.

E dentro disso há abortos, violência, agressão, cenas de sexo grotescas e momentos de estupro que distorcem totalmente a imagem da atriz, mesmo que grande parte dos boatos sobre ser um objeto masculino tenha fundamentos. Vale lembrar que este filme é baseado no romance de Joyce Carol Oates que, por sua vez, mistura realidades e ficções sobre Monroe.

O problema é que o longa faz parecer que Norma gostava da maior parte das violências que sofria. Para piorar, há uma sequência inteira sobre como um feto a culpa pelo seu aborto (é sério!) e, em 2022, com toda a luta das mulheres, essa proposta absurda parece fora de seu tempo, sem conexão e, obviamente, feita pelo olhar de um homem totalmente insensível. Afinal, culpar Marilyn é sempre mais fácil do que culpar o sistema machista que a moldou.

Se isso não fosse absurdo o suficiente, o olhar masculino do diretor Andrew Dominik (O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford) se concentrou tanto no símbolo sexual que a atriz foi que, aparentemente, até mesmo ele se esqueceu de humanizá-la. São tantas imagens de Ana de Armas nua, que o filme acaba a sexualizando e repetindo os erros do passado.

É muito desconfortável assistir (sendo mulher ou não!), principalmente quando a história é baseada em uma pessoa que foi sexualmente violada desde muito nova. O longa se concentra tanto em sua trágica vida pessoal e sexualização que raramente discute seus sucessos profissionais. Na verdade, o lado atriz dela fica totalmente de lado.

Já Armas, por sua vez, está tão de tirar o fôlego quanto Marilyn Monroe em seus filmes e capas de revista. A atriz retrata a dor e a solidão da vida da estrela com compromisso e seriedade, se doando do começo ao fim, mesmo em cenas desnecessárias de nudez. Por conta do teor desconcertante do filme, não deve alcançar o Oscar, mas serve de lembrete da força de atuação que Armas possui. No fim das contas, ainda que lindamente estético e visualmente encantador, temos uma ideia de que a vida de Monroe foi realmente trágica. Mas também faz parecer que ela foi responsável por certas tragédias e não estava no controle de sua própria vida.

Conclusão

Através disso, é terrível como Blonde retrata a miséria de uma estrela à beira da loucura e sexualizada ao extremo e não toda a sua grandeza e importância para a indústria do cinema. O diretor Andrew Dominik, por mais irônico que possa parecer, trata Ana de Armas da mesma forma misógina que Hollywood tratou Marilyn e desperdiça sua cinebiografia como um simples “pedaço de carne”.

É frustrante, cansativo e assustadoramente explícito sem propósito. Não há filmagem linda e estética impecável que disfarce os problemas de um roteiro que se excita ao olhar para uma mulher sexualmente violada. Ana de Armas mergulha de cabeça e se mostra o único grande acerto. Fora isso, resta apenas um filme repugnante e explorador. É a Netflix no fundo do poço.

NOTA: 2/10

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