Crítica | Mães Paralelas – Comovente e político drama sobre o lado sufocante de ser mãe

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Os prazeres familiares de Pedro Almodóvar é novamente tema de um de seus filmes mais íntimos e irresistíveis da carreira. Em Mães Paralelas – filme escolhido para abrir o Festival do Rio e que será distribuído no Brasil pela Netflix – assim como seu último trabalho, Dor e Glória, penetra em suas experiências pessoais para proporcionar uma jornada emocional expressiva e, como bem sabemos, carregada de extravagância visual na construção desse mundo melodramático e novelesco que o cineasta espanhol faz tão magnificamente bem.

É irrevogável que, com o passar dos anos, seu cinema tem ficado cada vez menos comercial e mais pessoal, simplista e direto. O centro do universo de Almodóvar consiste em narrar histórias humanas, que poderiam acontecer com qualquer um de nós ou à nossa volta e, através disso, foca em extrair o maior número de sentimentos diferentes de suas personagens extraordinárias. Dessa vez, o fio condutor da narrativa são duas mães que, assim como diz o título, são correspondentes e vivenciam a maternidade de maneira entrelaçada, quando um erro na maternidade faz com que seus caminhos se mantenham na mesma reta por toda a vida. Ao trabalhar com probabilidades e coincidências, o roteiro de Mães Paralelas desenvolve um conto doce, único e arrebatador sobre as alegrias e a dor de ser mãe.

A trama e o elenco

Impressiona como a feminilidade ganha força nas obras do cineasta e seu olhar sensível nos faz se apaixonar por mulheres tão distintas e, ao mesmo tempo, carregadas de afeto, angústias e ternura. No enredo de Mães Paralelas, duas dessas mulheres repletas de camadas acabam por ser mãe ao mesmo tempo e se tornam amigas na maternidade. Uma jovem – que não planejou o bebê e não está feliz com a situação – e uma quarentona, vivida pela espetacular Penélope Cruz – que também não planejou a gravidez, mas que sempre desejou ser mãe. Dessa premissa, o universo as une de uma maneira poderosa e uma acaba por ter que aprender lições da vida com a outra, especialmente quando envolve o amor de mãe e o apego surreal a alguém.

Com diversas reviravoltas novelescas e diálogos profundos, ainda tendo como pano e fundo questões da ditadura espanhola – o que faz talvez ser o filme mais político do diretor – o longa se mantém como um forte manifesto sobre o legado que deixamos no mundo. Enquanto acompanha o dilema de duas mães e um conflito tenso entre elas, a trama mergulha na reflexão sobre o que é família e como essa verdade pode ser mutável. Penélope Cruz (Volver) é inegavelmente um fenômeno da natureza e sua performance reluz que nem ouro nessa história.

A atriz se mostra confortável com o papel e entrega uma protagonista com nuances questionáveis e camadas emocionais. Por vezes, o roteiro nos faz pensar: “o que eu faria nessa situação? Contaria a verdade?” e isso é ensurdecedor dentro da nossa cabeça. Mesmo com o brilho de Cruz, a novata Milena Smit, por sua vez, encontra espaço para nos emocionar e completar as lacunas necessárias.

São duas horas de drama sendo desenvolvido no ritmo por vezes monótono, por vezes corrido, mas que prende nossa atenção, especialmente pelo impacto que a direção dá aos plot twist e a crescente sensação de algo terrível pode acontecer quando a grande verdade vir à tona. Fora isso, claro, as tão populares cores vivas de Almodóvar estão presentes, talvez mais comportadas do que nunca, mas, ainda assim, compõe a belíssima e singular identidade visual do autor.

Essa mixagem de paleta provoca diversos sentimentos no público, desde acolhimento e amor até angústia e dor, especialmente quando a trama lida com a terrível separação entre uma mãe e sua bebê e como isso parece tão difícil de ser superado. Apegado à sua estética convencional, mas disposto a sair da zona de conforto, é visível que o cineasta tem – cada ano que passa – atingido sua maturidade e se provado um dos nomes mais excêntricos da indústria. Pelo menos, ninguém conta uma história tão simples, de forma tão especial, quanto ele.

Conclusão

Emocional e político, Mães Paralelas é como um afago caloroso, feito por um olhar sensível que irá partir seu coração e reconstruí-lo mais forte e resistente. Uma das obras mais maduras e íntimas de Pedro Almodóvar. Ainda que monótono e prolixo, o roteiro proporciona uma jornada comovente sobre legado, família e o lado sufocante de ser mãe. Definitivamente, um filme sincero sobre o peso da responsabilidade de ser mulher. Em época de blockbuster de super-heróis ocupando a maioria das salas de cinema pelo mundo, ser acariciado com um cinema autoral tão doce, honesto e sutil, é um mimo irrecusável.

Nota: 9/10


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