Conhecendo a história que inspirou O Menino Que Matou Meus Pais
Em 31 de Outubro de 2002, Dia das Bruxas, ocorreu um homicídio que viriam a se tornar um dos mais famosos da história criminalística do país. Nessa noite, a polícia havia sido chamada para investigar um possível arrombamento em um bairro nobre de São Paulo, porém, se deparou com três jovens na porta da mansão e um casal brutalmente assassinado na cama do quarto principal.
Não demorou muito para a notícia se espalhar pela mídia (afinal, foi um casal branco, de classe média alta, assassinado dessa forma e isso vende feito água) e, três dias depois do crime, ter a confissão de que a própria filha do casal que havia arquitetado o plano maléfico.
Dessa trama digna de filme hollywoodiano nasce o popular e controverso Caso Richthofen e, com ele – após 19 anos do crime – dois longas-metragens que dessecam minuciosamente os pontos de vista dos envolvidos na fatídica noite. A “dama e o vagabundo”, mais conhecidos como Suzane von Richthofen e Daniel Cravinhos.
Dividido em duas partes que se auto-complementam (a ponto de imaginar que certamente não foi plantado incialmente para ser dois filmes), o enredo não-linear – baseado totalmente nos autos processuais do caso e depoimentos, que serviram de base para o roteiro de Ilana Casoy e Raphael Montes – explora o passado do casal (como se conheceram e começaram o intenso romance), a fatídica noite do crime e o julgamento, ocorrido em 2006.
É história demais, eu sei, mas as quase três horas ao todo conseguem cobrir plenamente todos os fatos necessários para que possamos compreender os caminhos tortuosos que levaram até a noite do Dia das Bruxas Macabro.
Com isso, tanto A Menina Que Matou os Pais – que apesar do “A” no título mostra o ponto de vista do Cravinhos – e O Menino Que Matou Meus Pais – focado na versão de Suzane von Richthofen – são majestosamente bem estruturados como uma obra documental, mas pecam por vezes em questões de narrativa cinematográfica. Porém, mesmo com pequenos deslizes, consegue ser um true crime consciente em não romantizar os culpados e que, por conta disso, mostra o quão complexo foi esse caso e como um filme sobre isso demorou tempo demais para sair. Mas vamos prosseguir com a análise dos filmes que estão chegando ao mundo através do Amazon Prime Video.
A trama e o elenco
Para começo de conversa, é importante citar que – ainda que tenha detalhados autos processuais sobre este caso de grande repercussão nacional – o roteiro precisa preencher as lacunas existentes na história quando as câmeras não estavam ligadas, e acaba por agregar cenas românticas (como um passeio ao parque de diversões, o primeiro beijo, momentos picantes de sexo, etc.) nesses espaços. Essas cenas são importantes para dar ao filme mais cara de filme e menos de documentário, e, por conta disso, funcionam. Fora o fato de que entender a relação de amor e ódio do casal é a chave para os motivos do crime bárbaro.
Neste capítulo – com o ponto de vista de Suzane von Richthofen sobre o que levou à noite sangrenta que ceifou a vida de seus pais – Carla Diaz explora o lado mais contido, apático e meigo da menina que arquitetou o crime, mas mostra também as nuances por trás de seu sorriso cativante e os traumas de uma jovem que sofreu diversos abusos do pai, tanto físicos quanto sexuais.
Dessa densidade de enredo e na pressa para cobrir os principais recortes do romance e do assassinato, a narrativa acaba se tornando corrida, sem freio e que apenas recupera o ritmo no segundo ato.
No começo, Suzane parece deslocada dentro de sua própria história e a trama tenta encontrar uma forma de humanizá-la sem passar pano, já que, na mídia, a menina sempre soa dissimulada e não parece demonstrar arrependimento pelos seus atos.
Diferente do documentário da Netflix sobre Elize Matsunaga, este longa falha em provocar reflexão no público e, no lugar disso, trabalha bem melhor essa questão no filme pelo ponto de vista de Cravinhos.
Ainda assim, como cada obra vilaniza a outra, esta ao menos mostra uma von Richthofen frágil, desesperada e que sim, (sem concordar, obviamente) possui motivação para cometer algo tão imprudente, uma vez que os abusos sexuais vindos de seu pai a deixaram com repulsa ao sexo e traumatizada com a figura masculina. Uma vítima de sua família autoritária, que dava bem mais liberdade para o irmão por ele ser homem, será mesmo? Vítima ou não, assim como Matsunaga, o machismo – que vem de todos os lados – definitivamente é o Raio Gama que a transforma no monstro necessário.
Enquanto serial killers homens são vistos com fascínio, as mulheres (sim, Suzane não é uma serial killer, mas se encaixa no exemplo) são apenas aberrações da natureza. Reflita.
E com tanto a ser explorado, Carla Diaz se entrega com vigor e nos afasta do rostinho doce que nos acostumamos no BBB. Sua performance rouba a cena – em ambos os filmes – e a atriz faz sotaque paulista carregado, exibe seu corpo nu (tem inúmeras cenas de nudez frontal e algumas até desnecessárias, eu diria) e prova que este é, de fato, o papel de sua vida e que deve alavancar sua carreira para obras dramáticas e adultas. Uma grata surpresa.
A direção
Outro destaque positivo de O Menino Que Matou Meus Pais está na montagem, que mescla o drama, as canções e a narração do tribunal sem deixar o ritmo perder fôlego, mesmo com pequenos deslizes aqui e ali. O cineasta Maurício Eça (Carrossel: O Filme) capta com precisão todas as sensações da história e deixa o mistério ser criado em torno de como, de fato, aconteceu o crime, uma vez que já sabemos o desfecho. A fotografia carregada dá identidade e as cores são bem utilizadas.
Por exemplo, na noite do crime Suzane veste vermelho para representar sua ruptura de amor e o abraço à violência. Fora alguns planos repetidos em ambos os filmes – que são bastante tediosos de ver e rever – o único perceptível defeito dessas obras é que elas dependem demais uma da outra, tanto que não há uma ordem certa para assistir. Elas funcionam separadas, mas deixam a sensação de que algo está faltando, de que assistimos apenas um episódio da série e abandonamos antes do segundo. Isso é ruim e prova que esse formato funciona realmente bem melhor no streaming do que no cinema.
Conclusão
Dessa forma, O Menino Que Matou Meus Pais navega na maré dos true crimes de sucesso e mostra o ponto de vista estarrecedor de Suzane von Richthofen quando seu mundo de conto de fadas se corrói e culmina na noite que permitiu que seus pais fossem mortos.
Do romance intenso ao crime impetuoso, o longa brinca com gêneros e entrega uma salada de qualidade, um filme nacional que não perde para nenhum thriller de suspense estrangeiro, que só peca por demorar para encontrar o lado mais humano da protagonista.
Já Carla Diaz, essa é uma estrela completa. Se Suzane pudesse assistir, no canto de seu lábio brotaria um leve sorriso, tenho certeza. Mas entenda, em nenhum momento os capítulos passam pano para o crime ou defendem assassinos confessos, uma vez que a função aqui é retratar a realidade de um dos fatos mais complexos e singulares que o país já vivenciou. Depois de assistir isso, quem você vai acreditar?
NOTA: 7/10
Leia também: Crítica de A Menina Que Matou os Pais!
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