Hollywood move-se por dinheiro e boas histórias não se encerram tão rapidamente. Especialmente quando o custo foi tão baixo e o acerto, grandioso. Além disso, muito se debate sobre a real necessidade de algo ganhar sequências. Pois bem, se a sequência existe, há demanda, e se há demanda, há necessidade. Mesmo que isso não necessariamente signifique que um raio de sorte caia duas vezes no mesmo lugar. O ponto interessante de fazer Um Lugar Silencioso – Parte 2 (A Quiet Place Part II) – veja bem, ter a designação de “Parte” sugere que continua exatamente de onde o anterior parou e não há, de fato, uma passagem significativa de tempo ou que outra história seja apresentada – é o fato do longa ter ainda mais significância por conta da pandemia de Covid-19 que está em andamento, dados os paralelos óbvios em uma família que sai do confinamento depois de ser levada ao isolamento por uma ameaça terrível, nesse caso, alienígena.
A conexão com o público é rápida e a sequência, de certa forma, é carregada de esperança, quase de maneira irreal. A única forma de sobreviver neste mundo em colapso, mais uma vez trazido à vida pelo roteirista e diretor John Krasinski, é calando a boca e ouvindo. Quem dera que todos nós pudéssemos fazer isso. Mas o otimismo de Krasinski vai muito além e usa essa segunda parte para aprofundar mais no passado, na origem espacial das criaturas, e apontar o futuro da franquia para o elenco jovem, ainda que, sim, a trama não sofra nenhum avanço realmente signicativo e caia na terrível chatice de ser um “filme do meio” de uma trilogia.
A trama e o elenco
A trama começa com um prólogo em flashback que mostra o caos do exato momento em que a invasão alienígena começou nos EUA. A família, ainda estruturada, luta para sobreviver do primeiro ataque das criaturas e já mostra que possui fortes habilidades de se esconder. Esse inicio foi claramente uma desculpa para ter Krasinski também na atuação – já que seu personagem morre no primeiro filme – mas logo o astro é substituído pelo excepcional Cillian Murphy (Peaky Blinders), que desempenha o papel paternal que estava em aberto. Mas suas impressões digitais como diretor estão por toda parte, desde as sequências de suspense bem projetadas – há algumas de dar calafrios na espinha – à atenção quase obsessiva dada aos detalhes minuciosos de um mundo onde o menor som pode significar o fim da sua vida.
Após o prólogo, a trama de Um Lugar Silencioso – Parte 2 começa exatamente de onde a anterior parou – com a família enfrentando uma criatura em casa e partindo para explorar o mundo exterior desconhecido. Tudo isso faz o enredo minúsculo (e bastante na vibe de The Last of Us) ser mais um complemento do filme original do que uma sequência de fato. E se levarmos por esse lado, o mergulho é mais prazeroso. Mesmo sem se aprofundar na mitologia desse universo silencioso, o roteiro possui ideias novas o suficiente para destacar seus personagens e dar mais fôlego para a grande estrela dessa franquia: Millicent Simmonds. Tanto a atriz quanto a jovem surda Regan roubam a cena. Em determinado momento, parece ser um filme spin-off focado na jornada da menina rumo à descobrir como se mata os invasores extraterrestres através do som. Suas escapadas ocupam uma porção generosa do tempo de execução, o que cria uma vibração diferente da do primeiro filme; separar a obviamente vulnerável filha de sua mãe protetora e colocá-la nas mãos de uma figura paterna com muito mais ambiguidade moral é uma escolha inteligente do roteiro.
Marcus (vivido pelo excelente Noah Jupe, diga-se de passagem) e a já esgotada matriarca de Evelyn (Emily Blunt) são apenas uma parte menor do núcleo central que não avança para lugar algum. As criaturas (feitas com CGI impressionante) cegas e hiper-sensíveis ao som aparecem mais que antes e estão bem mais implacáveis e persistentes, algo que provoca sim grande aflição, mas cansa pelo uso excessivo, uma vez que funcionam melhor apenas com a sugestão de que eles podem aparecer à qualquer momento. O silêncio ainda é um artifício do roteiro para criar tensão e o design de som da obra segue fantástico ao equilibrar momentos de absoluta calmaria com cenas de ação eletrizantes.
Por fim, Emily Blunt (No Limite do Amanhã) não é o foco da vez, mas a atriz é ótima e ainda tem carisma de sobra. Sua personagem segue ainda mais calejada, como se tivesse perdido a respiração à partir do momento em que perdeu seu filho mais novo. Ela é movida por uma mistura deliciosa de raiva, vingança e instinto materno que a torna um poço de magnetismo.
A direção
Um dos grandes méritos da condução enérgica e equilibrada entre a ação, o desespero e a emoção de Krasinski – além, claro, da forma genuína de como constrói a atmosfera de suspense digna de Alfred Hitchcock – está em deixar suas criaturas em plena luz do dia ou em áreas bem iluminadas e ainda assim provocar medo e se gabar por não usar o escuro para esconder imperfeições digitais. Elementos simples dos cenários – como portas e folhas secas – são ferramentas fantásticas nas mãos do cineasta. Essa atenção aos pequenos detalhes é um dos motivos que faz grande parte desse filme funcionar tão majestosamente bem quanto o primeiro, mesmo com a falta de ideias inovadoras. A compreensão que o roteiro e a direção tem de seus conceitos essenciais não deve ser subestimada.
Conclusão
Através disso, ainda no mesmo nível de qualidade e tensão do original, Um Lugar Silencioso – Parte 2 é um assombroso exercício de suspense que provoca o espectador do começo ao fim, embora seu enredo limitado não avance para lugar nenhum. Muito mais uma parcela de complemento do primeiro filme do que uma sequência propriamente dita e, como tal, infelizmente cai na repetição da fórmula e prepara terreno para uma inevitável Parte 3. Entretanto, Millicent Simmonds brilha como nunca e a condução de John Krasinski está cada vez mais madura, enérgica e criativa.