País da Violência (Assassination Nation) é o fantástico thriller de suspense do roteirista e diretor Sam Levinson (criador da série Euphoria) que vem gerando burburinho desde sua estreia e que agora, felizmente, está chegando ao Brasil pela Netflix. Ao seguir a linha da franquia de filmes Uma Noite de Crime, com a estética de obras como Kill Bill, o longa-metragem investiga a ideia do que aconteceria se uma cidade essencialmente americana caísse na total anarquia. No entanto, o roteiro inteligente tece temas relevantes para a era digital usando um massivo vazamento de dados para colocar os eventos do filme em movimento e permitir que possamos observar como a sociedade se esconde por trás das máscaras da privacidade. Tudo isso dentro de uma produção estilosa, com momentos tensos e horripilantes para construir uma belíssima parábola feminista moderna.
A trama e o elenco
A trama segue uma estudante da – aparentemente – pacata cidade Salem, Lily Colson (vivida pela ótima Odessa Young) e suas três melhores amigas Bex (Hari Nef), Em (Abra) e Sarah (Suki Waterhouse), que são adolescentes americanas relativamente normais. Elas falam sobre garotos – especialmente sobre o namorado de Lily, Mark (Bill Skarsgård) – eles se divertem, passam o tempo postando nas redes sociais e cada uma tem seus próprios segredos. Na verdade, Lily está secretamente sexting com um homem a quem ela se refere como “papai”, e que acaba sendo Nick (Joel McHale), o pai de uma garota que ela costumava ser babá. No entanto, quando o prefeito Bartlett (Cullen Moss) é hackeado e seus segredos postados online e posteriormente compartilhados com toda a comunidade do colégio de Salem, isso dá início a uma série de eventos que levam a um confronto sangrento.
A direção
É importante lembrar que este é apenas o segundo filme escrito e dirigido por Levinson que, atualmente, já comandou a impecável Euphoria, da HBO e o intimista Malcolm & Marie, da Netflix, mas enquanto seus filmes usam um tom narrativo mais melancólico e apreciativo, País da Violência oferece um conto atualizado dos julgamentos das bruxas de Salem, examinando a raiva e o ódio que pode ser dirigido a mulheres jovens quando elas não se conformam com os padrões de como devem se comportar. Indo ainda mais longe, mostra o mesmo ódio que é dirigido àqueles que não se enquadram nos padrões da sociedade de outras maneiras através do prefeito Bartlett – cujo hack de dados revela que ele é um homem gay não-assumido – e do diretor Turrell, um homem negro que trabalha em Salem e vem de uma região menos privilegiada. Ao todo, Levinson fez um comentário mordaz sobre como aqueles que são “diferentes” do que é considerado normal podem ser visados, odiados, abusados e até mortos por aqueles que afirmam ser cidadãos do bem e de moral íntegra. Isso sem abrir mão de uma câmera que flutua por entre os cenários e explora cada ângulo, de cada uma das cenas, com bastante maestria e sabedoria sobre o tipo de efeito que provoca no espectador.
Mas, embora a trama seja sem dúvida um comentário social, também funciona excepcionalmente bem como um thriller intenso, levando a um terceiro ato bastante sangrento. O diretor mostra com eficácia a disseminação da informação digital e a maneira como as pessoas reagem rapidamente, amontoando-se umas às outras para ter algo a dizer – para ter certeza de que dizem as coisas certas – ao mesmo tempo em que temem silenciosamente que o mesmo aconteça com elas. A tensão em Salem aumenta de forma tangível ao longo do filme, com a população raivosa e odiosa se escondendo atrás de máscaras enquanto os segredos daqueles que são considerados “outros” e/ou moralmente falidos são expostos. Tudo chega a uma conclusão horrível no terceiro ato, que entrega a violência gore que os fãs do gênero esperariam. Mesmo assim, a crítica social é um tema subjacente constante e os dois aspectos vêm à tona em uma cena climática que pode oferecer emoções, mas na verdade compensa mais tematicamente do que com ação.
Conclusão
Com isso, País da Violência é um conto feminista moderno e atualizado sobre os julgamentos das bruxas de Salem e, com muito estilo e uma direção incrivelmente brilhante, mostra como a sociedade ainda vê as mulheres como inimigas e como o ódio pode ser facilmente propagado e alimentado pela internet. Apesar dos realizadores pesarem a mão nos gatilhos – ainda que o filme comece com um aviso sobre isso – as emoções são genuínas e a crítica social transforma esse thriller estilizado em uma obra visceral, espetacular, agressiva e difícil de ser ignorada.