Crítica | Bacurau – Um marco para o cinema brasileiro

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O cinema se mantém vivo através de ciclos. Sem que ninguém saiba ao certo como funciona a regra, todo filme ou movimento cinematográfico acidentalmente (ou não!) volta a se repetir com o passar dos anos. Esse retorno vem marcado de atualizações, feitas para um novo público e reflexo de uma nova sociedade. O cinema nacional vive uma fase de ouro, com filmes inteligentes, apropriados e que narram histórias que vão além de simplesmente distrair, afinal, a arte é uma flor, mas também pode ser uma granada se for lançada na direção correta. E, para o deleite de todos, surge ‘Bacurau’, um longa-metragem que não apenas veio no momento mais oportuno, como também serve de marco para essa nova Era e o que virá daqui para frente.

A trama e o elenco

Para começo de conversa, assim como ‘Rio 40 Graus’, de Nelson Pereira dos Santos, serviu para inaugurar o chamado Cinema Novo, movimento carregado de discurso político necessário, ‘Bacurau’ carrega consigo uma interessante energia similar aos filmes desse movimento, afinal, o país e o audiovisual atualmente tem sofrido com o novo governo e nada melhor (ou mais eficiente!) do que utilizar o cinema como ferramenta de conscientização, ou nesse caso, uma equilibrada mistura de sarcasmo com crítica social. Na verdade, o que o roteiro inteligentíssimo e fluído faz é entreter de forma absurda enquanto evidencia um importante povo e uma história genuinamente brasileira, na tentativa de não deixar que caia no esquecimento, apesar dos esforços do atual Presidente, dessa forma, estou convencido de que o filme representa um movimento que irei chamar de “Cinema Novíssimo” para fins de análise.

A trama começa com uma premissa familiar, que visa mostrar a realidade sofrida do cotidiano um povo humilde e se passa na pequena cidade de Bacurau (cujo nome vem de um pássaro raivoso), que nem ao certo está no mapa, à Oeste de Pernambuco, em um futuro próximo, porém, se intensifica e evolui para um intrigante thriller, que mistura elementos de suspense, como “home invasion” (só substituir a casa por uma cidade inteira!), com a violência digna da filmografia do Tarantino ou do Robert Rodriguez, talvez. Na verdade, a perspicácia do roteiro é exatamente ter influências de faroeste, de filmes de horror e até mesmo de Mad Max, sem perder a identidade visual brasileira, que está fortemente presente em detalhes do cotidiano, nos personagens e nas cerimônias daquela cidade, já deixando evidente, desde o início, que a violência é uma realidade tão presente para algumas cidades, que sua aceitação ocorre de forma mais natural e quase que admirada.

Com esse tabu estabelecido, afinal, das 20 cidades mais violentas do país, 18 estão no Norte e Nordeste, a trama avança sem medo de impactar o espectador e se torna ainda mais destemida quando o roteiro decide tocar em feridas expostas, como a liberação do porte de armas de fogo para cidadãos comuns e a separação dos estados do Sul, por se acharem mais “inteligentes” que o restante do país, além da fantástica analogia com o “homem branco que vem tomar sem permissão” e a visão limitada que o estrangeiro tem da nossa cultura. Dessa forma, sobra um delicioso espaço para exaltar as tradições e a história nordestina, como o cangaço, por exemplo, se encaixando assim no tal do “Cinema Novíssimo”, político, moderno e com toques sutis de futurismo.

A direção e o roteiro

A direção de Bacurau fica por conta da dupla Kleber Mendonça Filho (Aquarius) e Juliano Dornelles, quase dois Hitchcock’s brasileiros, que tratam toda na narrativa com tamanha dedicação, guiando o suspense de forma crescente e surpreendente, repleto de planos abertos das belas paisagens e sequências de ação de tirar o fôlego, dirigidas com perspicácia. Por exemplo, há um momento tenso, em que algumas crianças caminham por um campo escuro, no meio da noite. Nessa cena, fica evidente o talento da dupla para segurar o espectador como em um bom filme de terror, já que o roteiro é tão preciso e entrega o que propõe, que não vemos o tempo passar, ao contrário, por exemplo, de ‘Era Um Vez em Hollywood’, ainda seguindo a influência Tarantinesca. Sem dúvida, o trabalho de vida de ambos.

Se não bastasse um roteiro criativo e uma direção pontual, o elenco também guia a história com qualidade e eficiência, em especial a força da natureza chamada Sônia Braga (Aquarius) e o talentoso Silvero Pereira, que brilha nas novelas e rouba a cena aqui, vivendo uma versão moderna do clássico Lampião, um personagem que certamente deveria ser eternizado no cinema. Além disso, Udo Kier (Melancolia) entrega um vilão propositalmente estereotipado, que é a personificação do puro mal, e Karine Teles (Benzinho) esbanja seu típico carisma e naturalidade.

Conclusão

Com isso, ‘Bacurau’ resgata e coloca em um pedestal a essência do bom cinema brasileiro, sem temer beber da fonte de gêneros e referencias estrangeiras para desenvolver um angustiante e gráfico thriller. Sua violência entretém, mas não asfixia a fantástica crítica social que entrelaça o roteiro do começo ao fim. É, sem dúvida, uma obra-prima impecável, que marca o ápice de qualidade do nosso cinema, provoca reflexão através do caricato e funciona como uma prazerosa carta de fúria dedicado ao nosso Presidente. Um clássico instantâneo.

Nota: 10

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