“Representatividade importa, mas é preciso fazer mais que isso”, diz Mariana Nunes, atriz de ‘M8 – Quando a Morte Socorre a Vida’

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Nesta terça-feira (17), aconteceu a coletiva de imprensa do drama nacional ‘M8 – Quando a Morte Socorre a Vida’ que, após passar por alguns festivais ano passado e esse ano, finalmente estreia nos cinemas agora, em 03 de dezembro. Nós participamos do bate-papo, que contou com a presença da atriz Mariana Nunes (Um Dia Qualquer), dos atores Juan Paiva (Sem Seu Sangue) e Raphael Logam e do diretor Jeferson De.

Mas antes, leia também a nossa crítica de M-8!

Confira tudo que rolou nessa conversa carregada de emoção:

A conversa começa dentro da religião umbanda, explorada pelo filme e que parte do elenco pertence. Mariana Nunes conta que esse fato foi um dos chamativos para ela aceitar o papel de Cida, a mãe do protagonista, já que segue a religião e acha importante que seja retratada com carinho e cuidado nas telonas do cinema:

“Tivemos pessoas da umbanda como consultoria para colocar a religião nas telas sem estereotipar ou algo do tipo e isso foi ótimo, fiquei apaixonada pela forma como a religião serve de conforto para aqueles personagens sofridos”

Sobre o processo de criação do filme, que tem como base o livro homônimo de Salomão Polakiewicz, o diretor Jeferson De contou que houveram algumas modificações para que a trama fosse melhor adaptada ao contexto do Rio de Janeiro e disse que pôde, enfim, trabalhar em um filme com total liberdade de criação:

“Nunca morei na periferia, mas tudo que aprendi, aprendi com a vida, sendo um homem preto e estudando como qualquer pessoa. Esse filme vem de um desejo de fazer algo desse tipo, que colocava em projetos anteriores e que agora finalmente pude trabalhar no assunto com liberdade. Pude expressar tudo que sempre quis falar no cinema”

O diretor também ressalta como o tema do filme é assustadoramente presente hoje, em 2020, mesmo tendo sido gravado em 2019, antes da grande onda dos protestos antirracistas pelo mundo:

“Gravamos faz algum tempo, mas ele [o filme] ganhou um novo significado esse ano, com a morte de George Floyd nos Estados Unidos e os protestos. Inclusive temos uma cena de um policial colocando o pé no pescoço do protagonista, tal como aconteceu com Floyd, que é pressionado contra o chão… é assustador como se encaixa bem esse ano”

Juan Paiva, por sua vez, emocionou os jornalistas ao contar como a vida do protagonistas, que está passando por uma série de descobertas sobre o impacto do racismo estrutural, se encaixa perfeitamente com a sua vida. Como ele hoje entende sua mãe que não lhe deixava sair para qualquer pois era perigoso um homem preto sair sozinho:

“Os filhos são criados já se adaptando a essa realidade da comunidade preta. Não pode sair sem documento, não pode fazer movimento brusco perto da polícia… quando era mais novo eu não entendia minha mãe e hoje – que sou pai de uma menina – compreendo como precisamos sobreviver dentro dessa sociedade que mata preto sem dó nem piedade”

E isso se encaixa bastante com o tema do filme, que aborda a maternidade, entre outros assuntos, e como uma mãe preta luta para ver seu filho vencer na vida e cursar uma universidade concorrida. Com isso, o diretor revela que a presença de uma imagem da ex-vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, em um mural no fundo de algumas cenas, representa exatamente essa imagem da mulher preta invencível:

“Marielle e sua resistência servem para falar sobre a força das mulheres pretas, como a mãe do protagonista é. Todas as mães pretas brasileiras estão em Marielle e por isso era importante ter essa homenagem à ela no filme. Ela é esse simbolismo sobre a luta feminina no mundo contemporâneo”

Disse Jeferson, que também está desenvolvendo uma série sobre Marielle Franco para o Globoplay.

Impossível assistir ao filme e não entrar o assunto da representatividade negra, algo que o elenco e o diretor ressaltam a importância de não ser uma fachada na frente das telas:

“Há metas para alcançar em relação a diversidade e isso precisa acontecer na frente da tela. Precisamos saber quando isso vai acontecer e está acontecendo agora no mundo, no Oscar, na indústria. Essa boa intenção está acontecendo por aí. Mas, será que atrás da tela essas pessoas também defendem o antirracismo? Spike Lee, Ava DuVernay e Oprah mudaram o mundo a abriram portas para todos nós.

Sei que a TV Globo está fazendo isso, mas temos que ver isso se refletindo também na contratação de roteiristas, diretores, elenco e não apenas na frente das câmeras, mas obviamente a Globo está muito na frente em relação à outras TV’s abertas”

“É importante uma pessoa preta não ser silenciada, não deixar uma branca falar por você, especialmente no cinema. M-8 foi o filme que mais tive liberdade para construir da forma que achamos correta. Por conta disso é que funciona tão bem. O audiovisual brasileiro precisa nos dar lugar de criação e não ser apenas sermos um objeto de debate”

Disse Jeferson. Já Mariana completa:

“Não basta apenas colocar um preto na equipe para se sair bem e parecer antirracista, é preciso ir mais a fundo, sabe? Não basta apenas usar a representatividade, precisamos mais que isso. Todo mundo lembra do negro em novembro, por conta da data, e os demais meses? Essa nossa luta é constante”

Sobre as cenas que mais se emocionaram ao gravar, Juan diz que foi a cena em que seu personagem discute com a mãe e ela lhe dá um sermão sobre a vida de uma mulher negra:

“Inicialmente tive medo de trabalhar com a Mari pois ela é absurda de boa, mas essa cena, em específico, me emocionou muito na hora e depois ao assistir. Foi muito forte e natural da nossa parte esse momento e acho que a atuação dela está em outro nível”

Para Mariana, a cena que ela mais gosta é a última, com a quebra da quarta parede:

“Me emociono muito nesse momento. Essa cena nasceu na hora da gravação e não estava no texto. Ela encerra o filme de uma forma linda”

Já para Raphael Logam, todas as cenas foram fortes e ele contou um pouco do seu processo curioso para entrar no papel-título do filme:

“Apesar de poucas cenas com fala, tudo me emocionava bastante e mergulhei de cabeça no papel. São corpos pretos, como o meu, impossível não comover. M-8 foi o personagem mais difícil que eu fiz na carreira. Eu ficava andando nu pela casa para me preparar para o trabalho, com meu pai e minha esposa olhando. O processo foi divertido, mas foi difícil fazer um corpo preto assim, descartado dessa forma”

Para encerrar, Jeferson contou um pouco mais dos simbolismos do filme e como ajudam na criação da atmosfera da trama:

“Tem bastante simbolismo no filme, por toda parte, a casa dos personagens tem um quadro do Rio no fundo e ela acende uma vela na frente. É um filme que trabalhei muito com momentos de silêncio e com imagens escuras. Sem dúvida, um filme para ver nas salas de cinema, para enxergar os atores e atrizes com toda sua delicadeza. M-8 é carregado de silêncio e escuridão”

Vale lembrar que ‘M8 – Quando a Morte Socorre a Vida’ estreia nos cinemas dia 3 de dezembro e o filme é uma das obras pré-selecionadas para representar o Brasil no Oscar 2021. Estamos na torcida!

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