Crítica | O Diabo de Cada Dia – Suspense denso a melhor performance da carreira de Tom Holland

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O elenco estelar de ‘O Diabo de Cada Dia’ (The Devil All The Time), novo thriller da Netflix, certamente é o que vai servir de chamativo para o público na plataforma, porém, felizmente, o filme vai muito além disso e desenvolve um sinistro e sombrio conto de tragédias, entrecortado por um tema controverso e polêmico: o fanatismo religioso e até onde o Ser humano é capaz de ir em “nome de Deus”. Tendo como base o livro best-seller de mesmo nome, do autor Donald Ray Pollock, lançado em 2011, a trama propõe um mergulho obscuro na vida de diversos personagens que se cruzam em uma pacata cidadezinha do interior dos Estados Unidos. Com uma direção bem interessante e narração do próprio Pollock, a jornada se torna cada vez mais angustiante e intensa, culminando em desfechos trágicos e violências gráficas impactantes.

A trama

De forma não-linear, com idas e vindas no tempo, a trama de O Diabo de Cada Dia é ambientada entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã e acompanha, principalmente, a vida do jovem Arvin, interpretado por um Tom Holland (Homem-Aranha: Longe de Casa) mais adulto e intenso do que estamos acostumados a ver nos cinemas, que tem sua vida marcada por tragédias e traumas da infância, enquanto a cidade em que vive é dominada por fanáticos religiosos que fazem qualquer coisa em nome de Deus. Durante sua jornada de aprendizado e amadurecimento, Arvin perde pessoas que ama e percebe o quanto a religião pode também ser uma fachada poderosa para a hipocrisia humana. Nesse contexto obscuro, a trama é maciça e carregada de violência, que mescla o poder de influência da igreja com a ambição e loucura de pessoas que deveriam “fazer o bem” e, enquanto rezam para Deus, são os verdadeiros diabos na Terra.

O elenco

De forma espetacular, a produção de O Diabo de Cada Dia consegue reunir nomes jovens da indústria e realiza um feito ainda mais complexo: desconectar esses nomes de personagens que já viveram, como acontece com Tom Holland, certamente na melhor atuação de sua carreira até então e que faz desaparecer qualquer vestígio de ser um super-herói cômico. O jovem está sombrio, sério e sofrido, nuances que realmente surpreendem. Em outras pontas, temos um Robert Pattinson (Crepúsculo) que é puro charme, vivendo um reverendo cruel e manipulador, e um Bill Skarsgård que impõe medo sem precisar da maquiagem pesada de ‘IT: A Coisa’. Além disso, nomes como Sebastian Stan (Capitão América: Soldado Invernal), Eliza Scanlen (Objetos Cortantes), Harry Melling (Harry Potter) e Riley Keough (O Chalé) vivem personagens complexos, repletos de camadas e que agregam muito valor a história e a jornada do protagonista, apesar de existir excesso de núcleos, algo que pode atrapalhar o envolvimento do espectador.

Direção e roteiro

De certa forma, o grande número de personagens realmente estufa a trama além do necessário, ainda que todos tenham seu tempo certo de brilhar (e acredite, todos possuem espaço para entregar performances impecáveis!), são muitas histórias sendo desenvolvidas simultaneamente e as idas para o passado por vezes cansam, especialmente pela longa duração do filme em relação ao seu clima denso. Como não possui nenhum tipo de alívio cômico ou mesmo momentos de calmaria, a história pesa e necessita de um momento de respiro, algo que não há.

Fora isso, o desenvolvimento segue lento e o diretor Antonio Campos (Simon Killer) não tem pressa em apresentar seus múltiplos personagens e interligar suas jornadas de forma paciente e cuidadosa, para que tudo faça sentido no desfecho. O roteiro, também escrito por Campos, é redondinho e não deixa pontas soltas, mesmo que, para isso, precise de mais tempo para construir laços mais sólidos e convincentes. A atmosfera pesada e sombria, elaborada através de uma direção de arte e fotografia impecáveis, realça o trabalho de Campos na condução dramática e na forma sensível como enquadra seus personagens. Sua narrativa literária de contar essa história lembra obras como o doce e triste ‘Conta Comigo’ e filmes dos Irmãos Coen.

O mal está em nós

Sem medo de tocar na ferida exposta, o roteiro de O Diabo de Cada Dia tem como premissa a forma como a religião afeta a vida das pessoas, especialmente em cidades do interior. No entanto, de maneira interessante e sábia, o filme não é uma crítica direta à religiosidade e muito menos propaga o ateísmo, mas sim, em como as pessoas mais vulneráveis são suscetíveis a manipulações vindas de líderes que defendem pautas e ideologias apenas por conveniência. Além disso, é um rico drama humano sobre hipocrisia, maldade, traumas e herança, que permeia pelos caminhos misteriosos da fé e da ausência de respostas. Ousado e forte e, como tal, não deve satisfazer a todos os públicos, já que incita uma reflexão poderosa e controversa.

Conclusão

‘O Diabo de Cada Dia’ é um conto visceral e denso sobre fanatismo religioso, que se consagra também como a melhor performance da carreira de Tom Holland. Apesar de ter um elenco massivo, formado por nomes em alta em Hollywood, a trama consegue se desvincular das referências e entrega uma reflexão forte, sombria e controversa sobre a maldade humana, ainda que seu desenvolvimento seja cansativo pelo excesso de subtramas. Não é a aposta do Oscar da Netflix esse ano, apesar do visível esforço e de merecer atenção, mas certamente está bem acima da média entre os demais.

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