O famoso modelo “filme de competição” tem se tornado cada vez mais presente nas produções originais da Netflix, que mesclam humor, romance e dança contemporânea em uma obra nascida para ser o mais puro e escapista entretenimento. Assim como o recente (e infantil!) ‘Feel the Beat’, agora a mais nova empreitada do serviço de streaming é ‘Dançarina Imperfeita’ (Work It), que consegue unir todos os elementos já citados e que usa filmes como ‘A Escolha Perfeita’ e ‘Ela Dança, Eu Danço’ como referência para fazer uma trama divertida e leve, que surpreendentemente funciona por sua tamanha despretensão de ser algo maior e mais inteligente do que apenas uma comédia romântica com música como pano de fundo.
Mas é claro que ser escapista e acima da média não significa estar livre de trabalhar com os clichês do gênero que, aliás, são muito bem usados aqui. A estrutura de roteiro segue invicta como a mesma de tantos outros filmes, ou seja, se busca novidade, pode esquecer. Desde a jornada da protagonista introspectiva, que encontra na dança sentimentos que nunca antes havia tido, até o desfecho totalmente elaborado para ser a personificação do clichê romântico, cada elemento da trama é desenvolvido dentro de um padrão pré-estabelecido e seu único diferencial, além de um elenco realmente bom, está na forma como aceita e abraça seus estereótipos sem temer ser brega ou ultrapassado, especialmente pela forma divertida como se aprofunda na protagonista e sua caminhada de descobertas, que passa de uma menina fria e calculista para uma pessoa “de bem com a vida”.
Para isso, a atriz e cantora Sabrina Carpenter (O Ódio Que Você Semeia) tem seu humor todo trabalhado nessa construção de “menina antipática” para alguém que possamos nos identificar e torcer para que seja feliz no final, apesar de saber que esse será, de fato, o desfecho. A atriz está ótima, tanto nos momentos mais dramáticos quanto na comédia, com seu tom seco e sarcástico, que transcende a menina doce e inocente, comumente utilizada nessas obras. Sua química em cena com a atriz e youtuber Liza Koshy cria uma dinâmica divertida e instigante de ser assistida, de longe, a melhor dupla do filme já que, apesar de haver interesse profissional de uma na outra, é possível ver que existe uma amizade forte entre as duas personagens, assim como entre a protagonista e o galã da história, vivido pelo ator Jordan Fisher (Para Todos os Garotos 2), que acaba sendo um pouco mais do que apenas o rostinho bonito e desejado. Já o ator Keiynan Lonsdale (Com Amor, Simon) vive o vilão invejoso e fragilizado, uma representação completamente ultrapassada do homem gay malvado e estiloso, que esse tipo de obra tanto gosta de utilizar. Fora isso, o grupo de adolescentes dançarinos é formado por pessoas talentosas e desajeitadas, ou seja, os famosos “losers”. Sim, a trama bebe da fonte de ‘Glee’ com bastante sede.
Por outro lado, apesar de ter uma narração em off e uma montagem dinâmica, que dá ao filme um ar contemporâneo e enérgico, o ritmo acelera ainda mais do meio para o final e o desfecho segue sem nenhuma surpresa ou revelação para fugir do habitual. O roteiro corre para concluir os núcleos em aberto e entrega exatamente o que já estávamos esperando. Essa falta de ambição certamente expõe as imperfeições, o quão preguiçosas são as tramas desses filmes e como boas oportunidades são desperdiçadas por medo de sair da caixinha. A direção de Laura Terruso (Good Girls Get High) é condizente com a proposta e entrega ótimas tomadas de danças voguing que são divertidas de serem assistidas, porém, não ousa ir além disso. Ainda assim, quando a trama foca no humor da atualidade e na relação entre os personagens, é aí que se torna mais interessante e, consequentemente, mais envolvente.
Com isso, ‘Dançarina Imperfeita’ segue como um bom exemplo de “filme macarrão instantâneo”, ou seja, rápido, simples e eficaz em saciar o nosso desejo por algo leve e fácil de ser absorvido. Apesar de seu tempero ser carregado de clichês, sabe dosar a acidez dos personagens com uma narrativa divertida e contemporânea. Como um filme de dança e competição, não foge do modelo genérico, mas consegue entregar bons momentos de puro entretenimento e mensagens pontuais sobre escolher o que te faz feliz. Entre tantos produtos sem originalidade atualmente disponíveis na Netflix, esse pelo menos tem ótimas canções e é um eficiente passatempo.