Crítica | ‘Reality Z’ é o mais puro divertimento “ruim bom” da Netflix

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Desde que foi anunciada, ‘Reality Z’ já havia instigado a curiosidade de todos por se tratar de algo que vemos ainda muito pouco no Brasil: histórias de horror. Mesmo após mais de 100 anos de produções audiovisuais. Seja no cinema ou na TV, o terror no Brasil nunca encontrou seu público ideal e isso é absurdamente estranho, já que talvez seja um dos gêneros mais consumidos pelos brasileiros quando o produtor vem do exterior. Talvez seja a falsa ideia de falta de qualidade que as produções nacionais têm em desenvolver tramas assustadoras ou talvez seja pelo preconceito enraizado que o brasileiro tem com sua própria cultura. Bem, um fato é certo, a série nacional do criador de ‘Black Mirror’, Charlie Brooker, para a Netflix, é satisfatória e não perde em nada para produções estrangeiras.

Mas é claro que ser boa não significa ser perfeita. Há inúmeros problemas na narrativa, na trama e especialmente nos personagens, mas não por ser brasileira, isso não é relevante. Aliás, é exatamente o fato de ver um contexto pós-apocalíptico situado no Rio de Janeiro, que faz a história ser completamente curiosa e divertida, uma novidade tardia que é bem explorada pela direção. A cidade em chamas e devastada, feita através de ótimos efeitos especiais na pós-produção, é brilhante e mostra que nossas paisagens também pode ser um cenário interessante para um apocalipse. Aliás, o visual da cidade lembra o game ‘Dead Island’, por colocar zumbis em um contexto tropical e quente. Mas a história em si já existe, afinal, a série da Netflix é baseada em outra série de Brooker, a britânica ‘Dead Set’, cuja premissa segue a mesma: enquanto um vírus mortal destrói o mundo, um grupo de sobreviventes se encontra dentro de um reality show britânico.

No caso de ‘Reality Z’, esse reality se chama Olimpo e existe na Barra da Tijuca, próximo aos estúdios de TV, como o da Rede Globo. Aliás, no mesmo lugar onde se encontra o maior objeto de paródia da série: o Big Brother Brasil. Até mesmo a presença rápida porém hilária da ex-BBB Sabrina Sato mostra que o objetivo é mesmo fazer uma sátira sobre o confinamento e como aquelas pessoas estão isoladas do mundo externo, algo que serve também para mantê-las vivas por mais tempo. A trama é dividida em dois núcleos, os que estão no estúdio do reality quando a pandemia começa e um filho e sua mãe, que precisam chegar até o local pois ele oferece recursos como eletricidade solar e comida abundante, fora que é uma “fortaleza impenetrável”, como diz a senhora que ajudou na construção do lugar, algo que posteriormente descobrimos que não é bem assim. São 10 capítulos e essa grande quantidade pesa negativamente, ainda que sejam de duração curta (mais ou menos 30 minutos cada), a série acaba se estendendo além do necessário.

Na parte técnica, o forte da produção, o diretor Cláudio Torres (Magnífica 70) sabe explorar cada referência que a série tem de produções anteriores, seja no estilo de combate de ‘The Walking Dead’, no suspense dos filmes do George A. Romero ou mesmo na ação de produções hollywoodianas como ‘Guerra Mundial Z’. A direção abraça o trash e não tem medo de usar o que já foi feito, já que faz com bastante estilo. Os planos aéreos em plongée são muito bem realizados, a divisão de tela em duas cenas isoladas é estilosa e a ação corporal é perfeitamente coreografada. O visual dos zumbis também é assertivo, fora que há litros de sangue falso e tripas por toda parte, algo que, assim como a direção de fotografia escura e sépia, dá à obra uma atmosfera profissional fantástica. É realmente um trabalho feito com dedicação nos mínimos detalhes e que entrega um realismo ainda inédito desse tipo de obra no Brasil.

O episódio piloto, em especial, é um dos melhores e consegue contextualizar bem o tipo de trama que irá se seguir. Os demais capítulos tem um ritmo frenético instigante, que envolve e deixa o espectador na ponta da cadeira diversas vezes, ainda mais pelo fato da série eliminar sem medo seus personagens (seja por talvez não acreditar numa possível renovação ou mesmo pela ousadia de matar quem menos esperamos), algo que coloca cada um deles na mira do perigo. Isso é corajoso do roteiro e ajuda a criar a sensação de que ninguém está a salvo, diferente de outras obras que blindam seus protagonistas. O elenco é vasto e isso é um problema, poucos personagens são realmente carismáticos e alguns morrem antes que possamos desenvolver qualquer afeição por eles, fora isso, atuar em terror é complicado e alguns atores não entregam uma performance satisfatória, o que nos faz desconectar da história sempre que a atuação falha. Porém, a dupla Ravel Andrade e Luellem de Castro está na sintonia perfeita, destaque também para a atriz Carla Ribas, que vive a mãe de Leo, e o ator Pierre Baitelli, que vive o policial raivoso.

Entre os maiores problemas, além de algumas atuações sem intensidade, está a pressa da produção em colocar todos os elementos possíveis em uma única história. Há excessos por toda parte, seja de personagens que aparecem e morrem logo em seguida ou de subtramas que são mal desenvolvidas e acabam não dando em nada, como os jogos sádicos que o deputado faz para selecionar quem fica com eles e quem será expulso do lugar. A impressão é que o roteiro tenta abraçar tanta coisa, que acaba por deixar outras extremamente mais importantes em segundo plano, como por exemplo, o motivo de tudo ter começado. Há clichês e estereótipos, seja nos personagens ou mesmo no desenvolvimento da história, que segue o mesmo padrão de inúmeras outras sobre zumbis, tanto na forma de enfrentar as criaturas quanto nas ideias básicas de suas transformações, modo de agir e correr e na falta de inteligência. Ainda que seja o clássico zumbi dos cinemas, a série desperdiça a oportunidade de agregar alguma novidade que seja.

Com isso, se conseguir desfazer a falsa ideia de que produções nacionais de terror são ruins, ‘Reality Z’ irá provar, definitivamente, que há espaço para todas as narrativas em nosso país, desde que sejam bem realizadas, como a série da Netflix é. Sua premissa criativa deve conquistar os amantes de zumbis, afinal, tem sangue em excesso, sustos bizarros, ação desenfreada e humor ácido, ou seja, não perde em nada para produções estrangeiras do gênero. Um projeto ambicioso e muito bem realizado, com algumas deficiências habituais, especialmente no elenco, mas que contagia com seu ritmo enérgico e entrega o que podemos esperar de um reality show: a mais pura diversão sem precisar refletir muito.

Apesar do sucesso e do desfecho em aberto, a segunda temporada ainda não foi confirmada e é possível que não tenha, já que ainda há uma carga muito grande de aversão do público por produções nacionais de gênero, bem, só nos resta esperar, mas uma 2ª temporada seria totalmente bem-vinda.

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