Crítica | Milagre na Cela 7 – Filme da Netflix para desidratar de tanto chorar

Conduzir a narrativa através da emoção pode fazer a trama despencar para um caminho forçado e sem volta que, ainda que emocione o espectador, se torna apelativa por utilizar artimanhas na tentativa de fazer chorar e, assim, camuflar a falta de história por meio do sentimentalismo exagerado. Se levarmos esse fator em consideração, ‘Milagre na Cela 7’ (7 Kogustaki Mucize), drama turco disponível na Netflix, percebemos como a direção se constrói inteiramente em torno de provocar empatia no público e como essa proposta conduz o espectador exatamente pelos caminhos já pré-estabelecidos pelo roteiro. E isso, ainda que entre no pensamento do sentimentalismo exagerado, acaba funcionando por conta do poder de manipulação, sem contar, que há também uma boa e sólida história sendo desenvolvida por trás, ou seja, um exemplo interessante de como fazer essa técnica sem se sustentar apenas por clichês, como os famosos “filmes de cachorros”.

Vale destacar que o longa não é original, mas sim, um remake turco de um grande sucesso sul-coreano. Porém, sua história foi por completamente adaptada para a realidade turca, fator que agrega novos conceitos, valores e dá a essa nova versão um tom muito mais autêntico e profundo do que apenas pegar um filme de sucesso de outro país e refazê-lo com uma nova língua, como os Estados Unidos costuma fazer. A ambientação simples do interior da Turquia, as dificuldades do povo pobre do lugar e o pavor da guerra estabelecem uma base verídica e forte para que o drama sobre um pai com problemas mentais, que é preso injustamente e afastado da filha pequena, possa provocar ainda mais impacto. E põe impacto nisso, já que todos os aspectos são desenvolvidos com muita atenção e cuidado.

O olhar sensível do diretor Mehmet Ada Öztekin, acostumado a fazer filmes com temática religiosa, faz total diferença nessa tão bem elaborada construção da emoção. Seja através da montagem ou dos belos planos longos, que dão liberdade para a cena se desenvolver naturalmente, como uma sequência perfeita dos personagens se comunicando através das paredes do presídio, o trabalho da direção é consistente, dedicado e ciente do tipo de narrativa que está sendo desenvolvida, ou seja, não se perde em suas ambições, como acontece com muitos remakes atualmente. Fora isso, o elenco é puro espetáculo. Todos os personagens, sem exceção, são desenvolvidos com múltiplas camadas e os atores e atrizes se entregam de coração, em especial, o jovem Aras Bulut İynemli, impecável como o protagonista com problemas mentais. Sua expressão corporal mostra o poder e cuidado que teve em interpretar um personagem diferente e que, com isso, exige muito mais tato e cuidado. Além dele, a menina Nisa Sofyia Aksongur também rouba a cena. O elenco, sem dúvida, é um destaque precioso.

É curioso como o longa consegue contornar alguns dos problemas mais evidentes em filmes até mesmo maiores, sendo um deles, o excesso de personagens e subtramas. Há sim grande número de atores em cena, algo que pode provocar confusão, mas todos acabam tendo um propósito maior e, até mesmo os com papéis menores, ajudam a dar mais veracidade e profundidade para a história. O presídio, onde concentra o maior número de personagens, também funciona como uma espécie de alívio cômico, por proporcionar situações em que o protagonista precisa sair de sua zona de conforto e, com seu imenso carisma e inocência, modificar o sistema cruel e individualista do lugar. Outro problema encontrado seria pela longa duração do filme, já que há sim cenas que se estendem demais e momentos de dilatação do tempo, com câmera lenta, porém, grande parte passa tão naturalmente, que não deixa a sensação de estar se arrastando. Ainda assim, poderia ser menor e mais sucinto, especialmente os dois primeiros atos, que são utilizados quase inteiros para apresentar o protagonista e sua vida pacata no campo.

O drama e a já citada construção de emoção são sensoriais e, mesmo que busquem recortar a realidade, acabam aproveitando elementos da fantasia para construir o mundo inocente e escapista do pai e a sua filha. Dessa forma, o roteiro tem algumas pitadas de outros filmes, como ‘A Espera de Um Milagre’ (1999) e as obras delicadas do diretor Terry Gilliam, em especial, o bom ‘Contraponto’ (2005), seja na trilha sonora emotiva, no desenvolvimento dos personagens ou nas referências do tema central, sobre uma pessoa inocente sendo culpada e presa por algo que não fez. A vertente religiosa precisa ser comentada e não dá para ser ignorada, mas não incomoda e nem força a barra, como acontece em filmes como ‘Superação: O Milagre da Fé’, por exemplo. O roteiro pega conceitos, ideologias e algumas mensagens bíblicas apenas para sustentar a ideia de ser “pessoas boas e puras” sofrendo injustamente, ou seja, mesmo quem não é religioso consegue ter uma boa identificação com a história, apesar de ela pegar mais forte com quem, de fato, é.

Com isso, ‘Milagre na Cela 7’ transborda sensibilidade e surpreende como um filme realmente marcante e que consegue desenvolver, com vigor, a emoção através do olhar afetivo e genuíno da direção. Se por um lado força a barra em fazer o público chorar a todo o tempo, por outro também presenteia com uma história sólida, doce, gentil e carregada de aprendizados, seja para pessoas religiosas ou não, já que a mensagem central é ter empatia e como o amor, ainda que clichê, pode sim mudar muitos sistemas. Para chorar, desidratar e prestar mais então no excelente cinema turco.

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