‘O Homem Invisível’ (The Invisible Man) é um exemplo perfeito de que do caos nascem boas ideias, afinal, sua existência (da forma que chegou aos cinemas) só foi possível após o fracasso de outro remake, ‘A Múmia’, em 2017. Ainda que uma nova versão do clássico de 1933, baseado no livro de H. G. Wells, estivesse sendo desenvolvida desde 2007, pela Universal Pictures, o projeto faria parte do falecido Dark Universe, uma espécie de universo cinematográfico de monstros compartilhado, que o estúdio estava apostando todas as fichas até, como já citado, o fracasso de público e crítica do filme estrelado por Tom Cruise. O planejamento estava tão avançado e o estúdio tão confiante, que até mesmo o astro Johnny Depp (Sweeney Todd) já estava confirmado como protagonista no papel-título. Eis que o desastre paira sobre os planos e o suspense, felizmente, toma um rumo completamente diferente.
Para começar, Depp se envolveu em um turbilhão de escândalos e foi acusado de violência doméstica por sua ex-esposa. Alguma semelhança com a trama do filme? Assustadoramente sim. E com essa bomba explodindo, o estúdio abraçou a desgraça e teve a melhor e mais crucial das ideias: e se tornarmos o terror uma grande metáfora sobre violência contra a mulher e o feminicídio? E, dessa forma, o universo compartilhado se desfaz e todos os filmes que estavam em andamento se tornaram histórias independentes. Entra Elisabeth Moss (The Handmaid’s Tale), uma atriz conhecida por sua dedicação a causa feminista, sai Depp e, com isso, dá à luz a um dos suspenses mais interessantes dos últimos anos. Na trama, quando o ex-namorado abusivo de Cecilia (Moss) tira a própria vida e deixa sua fortuna, ela suspeita que a morte dele tenha sido uma grande farsa. Como uma série de coincidências se torna letal, Cecilia trabalha para provar que está sendo caçada por uma pessoa que ninguém pode ver.
Há sim diversas referências dessa versão com as demais, em especial, com a de 2001, intitulada ‘O Homem Sem Sombra’, principalmente quando a história aborda o lado psicótico do tal homem invisível (vivido pelo ótimo Oliver Jackson-Cohen) e suas paranoias. Porém, apesar de dar título ao filme, o roteiro é centralizado em Cecilia e sua busca para provar que não está ficando louca, enquanto é perseguida por uma forma invisível. A trama, carregada de suspense, desenvolve muito bem seus personagens e toma o ritmo necessário para criar tensão através do movimento da câmera pelos cenários vazios e o silêncio, valorizado demais aqui. Trabalho excelente do diretor Leigh Whannell (conhecido por ter atuado em ‘Jogos Mortais’). A atmosfera intensa, desenvolvida por ele, é extremamente envolvente, ponto forte do filme ao lado de, claro, Elisabeth Moss, que é outro nível de final girl. A atriz está sublime e compra para si o papel com extrema veracidade, coerência e, sem dúvida, carrega a trama nas costas com perfeição.
Com a proposta de atualizar a história datada e inserir elementos feministas como subtexto, o roteiro consegue surpreender, ainda que o plot principal já seja previsível. Algumas reviravoltas são bem desenvolvidas e convencem, assim como o uso da tecnologia, algo que poderia facilmente destoar da proposta realista dessa versão, mas que encaixa como uma luva, semelhante a um episódio de ‘Black Mirror’. Mesmo o suspense sendo o carro-chefe, a ficção científica tem seu espaço e a trama consegue equilibrar os dois gêneros, a fim de que um possa complementar o outro. O terror aqui se faz pela estranheza e pelos mistérios que o personagem título deixa no ar. Sua morte é contestada, assim como sua existência. Estaria ela vendo fantasmas ou algo realmente presente? Essas perguntas penetram em nossa mente de forma visceral e mantém nosso envolvimento até a última cena. Aliás, o uso da trilha sonora também é inteligente. A música cresce gradativamente conforme as sequências se tornam mais e mais intensas e culmina no ápice, no desfecho, com um momento semelhante ao terror ‘Midsommar’.
Através disso, ‘O Homem Invisível’ prova que para se fazer um bom remake, basta saber dosar a atualidade com a essência do clássico. O suspense é visceral, intrigante e penetra em nossas emoções com vigor, fruto de um trabalho excepcional da direção e de uma atuação assombrosa de Elisabeth Moss. Felizmente, mesmo com tantos problemas na produção, deu incrivelmente certo a proposta de direcionar a trama para tratar um relacionamento abusivo, mais atual e relevante, impossível. Vai ser uma tarefa realmente difícil ter um suspense melhor que esse no ano e é, de longe, um dos melhores filmes da Blumhouse.