Esboços sobre uma Galáxia muito, muito distante em Star Wars: A Ascensão Skywalker

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À guisa de contextualização

Uma obra de arte que se constrói em perspectiva intermidial, cria diálogos substanciais com a história do cinema; com os arquétipos literários, míticos e se expande para uma pluralidade de sentidos, consequentemente, de interpretações. A galáxia muito, muito distante, porém mais conhecida do mundo, é um estatuto mítico e a FORÇA é o fundamento de todo construto. Portanto, entender a FORÇA é premissa para entender Star Wars. A FORÇA “é um campo de energia criado por todas os seres vivos, ela nos envolve e penetra. É o que mantém a galáxia unida”. Essa frase, dita pelo mestre Obi Wan Kenobi, congrega tudo do universo Star Wars. No episódio VII, a FORÇA desperta, ou seja, é sentida em sua intensidade. Seguindo o mesmo escopo do ep. IV, a FORÇA mais uma vez atua em minúcias e indica para um caminho concergente às personagens que nos guiaram pelas aventuras da nova trilogia. A ideia de destino se alia muito ao curso que a FORÇA promove à campanha dos nossos heróis. Não é que a FORÇA priva o livre-arbítrio, na verdade, o poder de escolhas não é maculado, mas é fato que existe um sentido de ser, o qual o herói irá encarar, aos moldes da concepção de destino, na literatura grega clássica (se for coerente a indagação, Rey carrega em sua genos uma linhagem de importantes personagens). A partir desse ponto fica claro o despertar da FORÇA, o que por consequência, indica ao expectador a trajetória da trama que se costura em direção ao encontro de Luke, como um mosaico, que em separado não faz sentido, não é clara a coerência, mas quando encaixadas, pedra por pedra, elucida o propósito, tanto para as personagens quanto para os espectadores.

Em The Last Jedi, a Resistência, liderada pela General Leia Solo, sofre um ataque substancial da Primeira Ordem, cujas consequências são a exposição das fragilidades de seus integrantes, o que culmina na fragilidade da Resistência, enquanto unidade na luta. Além de uma das cenas mais lindas de toda a saga, quando Leia retorna a nave utilizando a FORÇA depois de um ataque, a ferida exposta da derrota instaura um estado crísico. Em termos literários, como elemento estético, a crise tanto expõe as fraquezas como abre caminho para superação. São das rachaduras instauradas pelo estado crísico que surgem as oportunidades de transformação, são das ações de um momento de fragilidade que as antigas concepções são explodidas e reconstruídas. Enquanto o arco narrativo de Rey se estrutura como centro motriz para a obra, (o próprio título sustenta essa afirmação), constroem-se mais três arcos narrativos fundamentais para construção das personagens que seguirão com a saga: o batismo de Kylo Ren como vilão; a humanização de Finn e a jornada de Poe para se tornar um líder da Resistência. Algo fundamental para se entender o episódio VIII é o último ensinamento do mestre Yoda à Luke Skywalker: como lidar com o fracasso. Esse fato expõe a ferida, as dores e nos leva à refletir sobre nossas limitações, ao mesmo tempo que nos ensina a sermos cuidadosos, e a nos prepararmos melhor para a lida. Esse dado é fundamental, uma vez que é o tema dominante do filme (os planos, investidas, estratégias, batalhas… fracassaram).

Assim como foi em Dagoba, Yoda enfatiza a relação com a FORÇA, não as habilidades de batalha. Não é a técnica em si, que define o mestre Jedi, nem a utilização da FORÇA como uma extensão do sabre de luz, mas uma vida de autoconhecimento e relacionamento com a FORÇA. É assim que Luke preparou-se para seu último combate. Em meditação, fez-se presente, não em carne e osso, mas como energia, fazendo a menção ao que Yoda o ensinou em Dagoba “Seres luminosos somos nós. Não esta matéria bruta”. Como um verdadeiro mestre, Luke, em seu encontro com Kylo Ren, não pretende derrotá-lo, mas ensiná-lo. O objetivo não é demonstrar sua superioridade, mas, contrapondo-se a Snoke, cuja a arrogância o deteu, o mestre Jedi estabelece uma luta de ideias com seu oponente. As lembranças que Ben Solo carrega no seu íntimo, tanto de seu pai (simbolizada pelos jogos de dados de Han Solo), de sua mãe, quanto de seu tio, o próprio Luke, irão repercutir em sua vida, num eterno conflito. O mestre Jedi atrasa a investida de Kylo, dando tempo de fuga para o que restou da Resistência e termina sua jornada, tornando-se um com a Força e estabelecendo o diálogo direto com os ensinamentos de Yoda “A morte é uma parte natural da vida. Feliz fique por aqueles que na Força se trnasformam.”

Uma díade da FORÇA 

A resistência tenta reerguer-se da última batalha, com a notícia de terem um espião infiltrado na Primeira Ordem. Rey intensifica seus treinamentos mediante sua mestra Leia. Kylo Ren torna-se o Líder Supremo e sai à procura de Palpatine, um sith, outrora Imperador. O enredo constrói sua trama e, cosendo fio a fio, percebe-se como a FORÇA atua. Se existe algo de precioso na trilogia é a atenção que se dá a FORÇA. No capítulo final da saga, a grande personagem revela-se a partir de uma díade, capaz de trazer o equilíbrio para a Galáxia. O movimento entre a ação da FORÇA e a atitude das personagens é o ponto forte da saga e isso define toda narrativa nessa Galáxia muito, muito distante…. Kylo Ren e Rey, desde o ep. VII, O despertar da FORÇA, convergem seus destinos para um conflito inevitável. Há alguma ligação entre eles, inexplicável, conflitante e confluente, ao mesmo tempo, e essa constatação acentua-se no ep. VIII, Os últimos Jedi. O lado sombrio e o lado luminoso da FORÇA estão presente, respectivamente, em Kylo Ren e Rey.

O treinamento de Rey continua com Leia, ao mesmo tempo que Kylo procura o Imperador Palpatine, cuja arquitetura de um plano maior, a exemplo do ep. III (A vingança dos Sith), fica guardado para o desfecho da saga por parte do Sith, outrora morto. Os mortos falam, os ventos sombrios da Última Ordem preocupam a fraca Resistência. O trio que protagoniza a saga embarca numa aventura em busca de um localizador Sith, a fim de encontrar Palpatine, o Lord Sith.

Tanto na batalha entre as frotas como na trama diretamente focada em Rey, há uma máxima que potencializa as cenas e costura a narrativa para um desfecho: “eles querem que pensemos que estamos só, mas não estamos”. Quando a luta é minada pela desesperança, torna-se perdida. Criando um laço com o episódio anterior, “não é matando nossos inimigos que iremos vencer, mas salvando aqueles a quem amamos”. Estar juntos, unir-se por um ideal, dessa maneira o menos é mais. É um clichê, um lugar comum de narrativas centradas em batalhas, mas se a “FORÇA é um campo de energia que envolve e cerca a vida”, é premissa, a partir dessa perspectiva, a grandeza do coletivo. É a FORÇA que move a narrativa, ao se conectar com Rey em Jakku; faz com que Finn sinta a decisão de desertar; ela se conecta com a Resistência e contribui, pela atuação de Leia, para a capacidade de comando de Poe Dameron. É a FORÇA que chama Mass Kanata para a aventura e para exprimir alguns desígnios não explicáveis; que guia Rey ao encontro do mestre Luke; que provoca o mestre a assumir outra postura, mediante as palavras de Yoda, quando ressalta a grandeza de aprender e crescer com a derrota. É a FORÇA que convergiu o destino de Rey ao de Kylo Ren, num fenômeno ainda não visto, uma díade da FORÇA.

Desde O Despertar da Força, o sétimo episódio da saga, que as personagens sentem uma energia que está numa espécie de frequência acima dos demais. O Líder Supremo Snoke, que agora sabemos ser uma criação de Palpatine, percebeu a possibilidade de recrutar Rey, pela campanha empreendida por Kylo Ren. O que o Líder Supremo não percebeu é que os dois possuem uma ligação na FORÇA, indissolúvel. A díade é um par no qual a individualidade de cada um é arrefecida em detrimento da unidade desse par, para que se estabeleça uma teia de ligações profundas, oriundas dessa unidade. No segundo episódio, o contato mediante a FORÇA entre as personagens era intensa e tão profunda que a barreira do espaço era constantemente rompida, e, por vezes, a materia era transportada para o outro plano espacial. Esse contato se desenvolve ainda mais em A ascensão Skywalker, em que se revela a origem de Rey. A catadora de sucata, cuja dificuldade da vida a ensinou habilidades voltadas à sobrevivência, é neta de Palpatine, o Lord Sidius, o maiot Sith de todos os tempos; a personagem que tramou e efetuou o golpe contra o Senado e operou a Ordem 66; contra os Jedi; o mesmo que conduziu Anakin Skywalker para o lado sombrio; o criador de Darth Vader e do Líder Supremo Snoke.

Seguindo uma estrutura arquetípica trágica, em que a família e o destino estreitam os laços, e o herói carrega em sua trajetória as marcas do descomedimento que o levarão a ruína, Rey sente o peso de sua filiação de sangue. Durante toda jornada, em sua preparação para se tornar uma Jedi, Rey é atormentada pelo sentimento de vingança, uma vez que descobre quem foi o assassino de seus pais. A sombra do Sith consome seus pensamentos, mas sua conduta, já moldada pelo Código Jedi a ajuda na querela espiritual. A FORÇA a destina a romper com a sua filiação de sangue, a qual se revela na afirmação de Luke “não é o sangue que define o que somos”. A grande luta de Rey é contra si mesma. A grande luta humana é contra nossos impulsos mais primitivos, os quais precisamos dominar, ao menos em sua maioria, para que se construa uma identidade pautada na experiência da jornada.

Os caminhos de Rey e Kylo Ren convergiram para um mesmo fim: estarem frente a frente com o Lord Sith. Antes, nos destroços da Estrela da Morte, na lua de Endor, os dois se enfrentam, sabre contra sabre. Concomitantemente à luta, Leia utiluza sua energia vital, toda sua habilidade sensitiva à FORÇA, a fim de trazer Ben Solo ao controle do que Kylo Ren se tornou. Várias cenas da nova trilogia estão ancoradas na trilogia clássica e essa é uma delas. A verdadeira batalha entre Luke e Vader no ep. VI é o esforço de Luke em fazer Anakin surgir de um espírito consumido pelo lado sombrio. Da mesma maneira, Leia luta com todo empenho para fazer emergir o lado luminoso em Kylo Ren que ainda habita a matéria. No episódio VII, a General afirma que há bondade em seu filho. Essa fala não é aleatória, é um sentimento construído por sua sensibilidade à FORÇA. No entanto, para tal feito, Leia usa toda sua energia vital. Ao fazer renascer Ben Solo, sua jornada finda.

É preciso ressaltar a construção da personagem Kylo Ren. O seu sabre reflete uma personaliade fundamentada na desmesura. Inquieto, angustiado, irritado, inseguro, impulsivo, mas, acima de tudo, poderoso, muito poderoso. A personagem é uma bomba relógio, sempre a explodir, sempre a esborrar suas emoções, a partir de uma cobrança pessoal para se afirmar como tal. A sua morte é o renascimento da esperança. A díade da FORÇA é a possibilidade do equilíbrio.

Segundo George A. Dunn, em Star Wars e a filosofia,

” Quando o lado sombrio se afirma desafiando a vontade do amor, quando o desejo saudável do eu que deve servir à autopreservação se transforma em ânsia de dominar e explorar tudo ao redor, então se tornará um poder sombrio para o mal e a destruição. ‘Raiva, medo, agressão- o lado sombrio da FORÇA eles são ‘, alerta Yoda, indicando o que acontece quando os desejos que sustentam nossas vidas se recusam a servir a qualquer objetivo mais elevado do que eles mesmos. Esses desejos são enraizados na FORÇA, mas esta não usa a vontade para nada que seja maléfico, mesmo que a fundação do mal, o lado sombrio, precise estar presente para que ela exista. Se essa base sombria se torna uma força para humanos prosperarem ou para a morte e a destruição, depende de como se torna existente para ser ordenada em relação à vontade do Amor, princípio superior que deveria governar nossas vidas. Ordená-la corretamente é talvez aquilo que significa trazer equilíbrio para a força.”

No confronto final, Drath Sidius drena a energia de Rey e Ben Solo, enquanto a guerra nas estrelas ganha novo fôlego, pois os homens livres unem-se à Resistência num momento em que a esperança estava arrefecida. Mesmo enfraquecida, Rey aciona, pela FORÇA, a energia dos mestres Jedi e todos estão com ela. Essa atitude leva a um sacrifício por parte da protagonista. A morte do Lord Sith é a tomada de decisão de canalizar a FORÇA para um desfecho maior que a vontade pessoal, a vingança, a qual Rey abre mão. Sua ação liberta a Galáxia da dominação do lado sombrio. Em Star Wars, a escolha do indivíduo reflete de que maneira ele se insere na coletividade. É uma jornada para fora, o convite à aventura e, dialeticamente, uma jornada para dentro de si, de autoconhecimento. Ben Solo encerra sua jornada ao entregar sua força vital a Rey, fazendo-a refolegar.

A cena final é um arremate perfeito para o que foi desenvolvido. Ela está em Tatooine, com os sabres dos seus dois mestres (Luke e Leia). Existe um ritual fúnebre, quando se enterra o instrumento, símbolo dos Jedi, ao mesmo tempo que se enraiza uma tradição (“mil gerações ” que ascende nela). Rey Skywalker, filha por adoção da FORÇA, ou melhor, o lado luminoso a adotou como uma Skywalker. Como foi dito, não é o laço de sangue que nos define, e sim aquilo que construímos enquanto identidade. Rey tornou-se uma Skywalker, se seguirmos essa linha de raciocínio. No entanto, Rey é única, ela é continuação e ruptura. Por mais que sejam mil gerações, é sua guerra. Ela escolhe o que vai ser…por isso que, na trilogia, o sobrenome não é definido, só ao fim de sua jornada. Isso fica claro para mim, na simbologia do seu sabre. A cor, o formato e a maneira de guardar e empunhá-lo, tudo a identifica como singular. Não é a história cíclica, mas em espiral, que aloja a tradição e a carrega para frente, ao mesmo tempo que rompe e escreve o presente à sua maneira.

Texto enviado por Rodrigo Rodrigues Malheiros

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