Crítica| Cadê você, Bernadette? – drama morno é carregado nas costas por Cate Blanchett

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Menos é mais nas mãos astutas de Richard Linklater. Se tem um elemento que o diretor de ‘Boyhood: Da Infância à Juventude’ e da excelente trilogia ‘Before’, sabe desenvolver até o ímpeto, são os diálogos, sempre bem estruturados e repleto de camadas emocionais. Porém, assim como Woody Allen, também mestre dos diálogos, parece estar preso dentro de seu tempo e não se moderniza, Linklater, que também tem apreço pelas mesmas histórias, utiliza a tecnologia como forma de atualização, seja pela técnica usada na filmagem ou pelo próprio enredo da trama. Mas será mesmo que isso é o suficiente para manter seu estilo relevante hoje em dia?

Em ‘Cadê você, Bernadette?’ (Where’d You Go, Bernadette), além de uma estruturação boa de texto, o diretor possui muita maestria ao trabalhar seus personagens e a direção de atores, dessa vez, lidando com a força da natureza que é Cate Blanchett (Oito Mulheres e um Segredo). Que, de fato, se torna o ponto alto do filme (assim como fez em ‘Blue Jasmine’, por exemplo), já que a atriz carrega nas costas a carga dramática de sua personagem e conduz a trama para frente com vigor e com total liberdade de improviso. Afinal, enquanto suas cenas são gostosas de assistir, com humor e drama que passa veracidade, a trama como um todo caminha arrastada e cansativa, ao mostrar a vida conturbada de uma arquiteta que sofre de depressão e fobia social e decide deixar tudo para trás, incluindo sua família, para embarcar em uma jornada de autoconhecimento.

Talvez vendido como uma versão light de ‘Garota Exemplar’, o filme, na realidade, se afasta totalmente do seu material de divulgação e segue um caminho, por um lado menos óbvio, porém, bagunçado e sem ritmo, já que essa tão importante fuga leva tempo demais de tela para acontecer e o roteiro decide se aprofundar, por tempo demais, nos dramas que a levaram ao desaparecimento. Essas subtramas apresentam alguns personagens divertidos (como a vizinha raivosa vivida por Kristen Wiig)  e importantes para a conclusão, mas também prolonga excessivamente acontecimentos do cotidiano da protagonista que não divertem e nem entretém.

Mesmo assim, novamente exemplificando o texto rico de Linklater, as camadas internas, tanto da protagonista quanto da mensagem motivacional por trás da trama, são eficientes, emocionam, em determinados pontos, e podem facilmente nos fazer refletir sobre temas como depressão (a personagem vive isolada em um castelo estilo ‘Edward Mãos de Tesoura’), liberdade, uso exacerbado da internet e até mesmo o machismo no mercado de trabalho, sugerido em determinado momento, fora que esse é o primeiro filme da carreira do diretor com uma mulher como protagonista. Ou seja, a proposta não é vazia, mas o excesso de dilemas atrapalha o desenvolvimento.

A relação entre Bernadette e sua filha Bee (Emma Nelson) é emotiva e rende boas sequências de pura química e afeição entre a dupla, como uma em que ambas estão cantando “Time After Time”. Outro fator interessante da direção é a estética documental que algumas cenas assumem, seja pela exibição de um vídeo DOC no YouTube (que possui a função narrativa de contar a história que precede a que estamos acompanhando) ou em um momento em que a protagonista e seu marido (o sem destaque Billy Crudup) estão falando um sobre o outro, como em uma longa entrevista, enquadrados em típicos planos utilizados em documentários.

Como o diretor preza pela simplicidade, os planos são genéricos e, até mesmo as cenas que se passam na Antártida e reverenciam a magnitude do lugar, são feitas em enquadramentos fechados, em sua grande maioria, com luz natural e pouca correção de cor, dessa forma, o projeto parece ter um orçamento bem menor do que realmente tem, mas não se engane, faz parte da áurea de Linklater a construção de mundos palpáveis através do descomplicado e seu forte sempre foi impressionar mais pela naturalidade do personagem do que pela técnica cinematográfica utilizada.

Por ser adaptado de um best-seller, ‘Cadê você, Bernadette?’ tem história demais para contar e opta por prolongar algumas desinteressantes, o que torna a trama cansativa em diversos momentos. Porém, o humor delicioso e sofisticado do roteiro encontra sua alma gêmea em Cate Blanchett, que carrega o filme nas costas com muita energia. De fato, para um filme de Richard Linklater, o drama é morno e abaixo da média, mas ainda assim proporciona reflexão e algumas risadas genuínas.

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