Poucas experiências são tão desconfortáveis de acompanhar quanto a de uma mãe em crise existencial diante de um recém-nascido no melhor estilo O Bebê de Rosemary. Em Morra, Amor (Die My Love), adaptação do romance da autora argentina Ariana Harwicz, esse incômodo se transforma em algo muito mais visceral: uma jornada angustiante, quase claustrofóbica, onde tudo, o casamento esgarçado, a casa silenciosa e isolada no interior, e sobretudo a saúde mental da protagonista em colapso, converge para um retrato assustadoramente inquietante.
E sim, é o tipo de mergulho sombrio que se espera de um filme de Lynne Ramsay (Precisamos Falar Sobre o Kevin), que gosta do tema maternidade, mas aqui, apesar da vulnerabilidade exposta e da força com que aborda a depressão pós-parto, o longa tropeça naquilo que poderia torná-lo mais complexo. Falta-lhe a capacidade de explorar a maternidade como prisão emocional; no lugar disso, entrega uma narrativa exaustiva, sombria e quase desprovida de qualquer fagulha de esperança ou superação. O resultado é um filme tão difícil de assistir quanto impecável em suas atuações, um peso que nem mesmo suas estrelas conseguem aliviar.
Índice
Os acertos e erros de Morra, Amor
E quando digo “estrelas”, digo com propriedade: o filme se ancora, acima de tudo, no brilho incontestável de Jennifer Lawrence, que mais uma vez entrega um papel desafiador, daqueles que exigem cada nuance que ela sabe extrair do próprio corpo e do seu humor peculiar. Lawrence domina a tela com uma presença magnética, é quase impossível desviar o olhar. A essa altura, não restam dúvidas de que ela é uma das grandes intérpretes de sua geração, e Morra, Amor apenas reforça isso.
Aqui, ela vive Grace, uma mãe em fratura exposta, uma mulher à beira do colapso existencial em sua crise de identidade, uma esposa sufocada por tudo aquilo que não consegue dizer. Grace é uma bomba-relógio emocional, e cada tique-taque parece anunciar um estrondo que está por vir. Robert Pattinson, por sua vez, dá vida a Jackson. Mesmo com menos tempo de tela, ele preenche os vazios com precisão e um desequilíbrio calculado ao mostrar como o fardo é sempre menor ao homem.

Juntos, formando um casal millennial de sonhos suspensos, eles encaram a espiral de desajustes que surge após a mudança para o interior, um lugar onde nada parece encontrar seu eixo, embora ainda exista um amor doentio entre eles. Amor tóxico, brutal, que empurra ambos para a beira da autodestruição. O resultado é um retrato cortante de como a codependência pode crescer como uma erva daninha que se alimenta do que resta de afeto.
Ao longo da trama, Grace afunda mais e mais no isolamento da maternidade em um ambiente rural que a engole aos poucos, acelerando o declínio de sua saúde mental, ainda que o filme jamais nos permita entender completamente o que se passa dentro de sua mente fraturada. Antes uma escritora de imaginação pulsante, ela troca suas palavras por um bebê inconsolável e por um marido artista à deriva, aliás, a química viciante da dupla em cena faz valer o ingresso por si só. Essa somatória de silêncio, libido reprimida e solidão compõe a dinamite emocional prestes a detonar.
O amor juvenil que um dia os uniu dá lugar a um sentimento constante de morte iminente, que pesa sobre a narrativa como uma nuvem baixa e sufocante. O clima se torna tão carregado que, em determinados momentos, somos nós que perdemos o ânimo de permanecer naquele mundo chato e sem vida. A monotonia que envenena a vida de Grace escorre para a própria estrutura do filme, deixando tudo preso em uma espiral de angústia e solidão que amarga a experiência, e que raramente oferece respiro ao espectador.
Esteticamente falando, Morra, Amor é um deleite: há uma textura quase tátil nas imagens, uma fotografia lavada, que realça o verde do campo, o calor da época e o vermelho do perigo, compondo um contraste que se torna parte essencial do discurso visual. Mas, apesar da força das atuações centrais, a narrativa tropeça e muito. A estrutura é confusa, a montagem desastrosa, e tudo parece se dissolver em um delírio febril sem ancoragem. Flashbacks surgem sem ordem, como memórias intrusas, e o desenvolvimento dos personagens se alonga até a exaustão, acompanhando a forma como cada um sucumbe aos seus impulsos mais intensos.

Grace, que deveria ser um espírito livre aprisionado pelas circunstâncias do casamento, acaba sendo retratada como uma figura tão caótica, tão mergulhada em alucinações e impulsos fragmentados, que se torna difícil estabelecer qualquer conexão emocional mais profunda com ela. É como se o filme nos deixasse à porta de seu abismo interno, mas nunca permitisse que enxergássemos verdadeiramente o que há lá dentro, isso é frustrante.
Veredito
Morra, Amor é um filme que brilha e sangra na mesma intensidade. De um lado, Jennifer Lawrence e Robert Pattinson entregam performances tão vivas que parecem respirar para além da tela. Ela como um vulcão prestes a entrar em erupção, ele como um planeta errático orbitando uma estrela que já não encontra luz. A direção de arte e a fotografia, ricas em texturas e símbolos cromáticos, tentam costurar um quadro emocional complexo.
Mas, embora os elementos individuais sejam potentes, o conjunto falha em criar uma harmonia que sustente a experiência de cinema. A montagem caótica, a estrutura nebulosa e a insistência em abraçar o desespero sem oferecer contrapesos emocionais transformam a jornada em algo que mais afasta o público do que aproxima.
Morra, Amor até se esforça para ser um estudo íntimo sobre depressão pós-parto, maternidade sufocante e amores corroídos da geração millennial, mas acaba prisioneiro das mesmas sombras que pretende denunciar. É uma obra que incomoda, mas que raramente nos permite atravessar suas portas emocionais como Lynne Ramsay fez outras vezes em sua carreira. Sem a entrega de Jennifer Lawrence, resta apenas uma narrativa nada envolvente sobre uma crise de identidade exagerada.
NOTA: 6/10
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