O desafio de filmar duas partes simultaneamente — e ver a primeira se tornar um fenômeno mundial inesperado — é que quase não resta fôlego para recalibrar a continuação, corrigir rumos e expandir o que realmente funcionou. E Wicked: Parte II, o aguardado final da saga de amizade entre Elphaba e Glinda, nasce justamente dessa limitação de tempo e espaço: é um filme que replica (e satura!) o anterior, mas carrega a obrigação de ser o grande clímax da história.
Assim, corre desesperado atrás de soluções, buscando amarrar cada ponta solta que o conecte com Oz, entregar um desfecho a todos os personagens e ainda transmitir uma mensagem agridoce capaz de satisfazer fãs do livro, do musical e do primeiro longa. É fã tóxico demais pra agradar com tão pouca coragem de sair do óbvio.
Ou seja, Wicked, apesar de divertido, afunda epicamente no próprio peso da caixinha de expectativas que resolveu carregar. A sequência deixa claro o desgaste de um universo que funciona como uma visita única. Estender a estadia só evidenciou as rachaduras. Em vez de corrigir os problemas do primeiro, Wicked: Parte II os amplifica e, ironicamente, acaba sendo muito mais irritante e enfadonho que o bom ato inicial.
Índice
Os acertos e erros de Wicked: Parte II

Como parte de uma história inacabada, a sequência – infelizmente – retoma a trama praticamente onde o primeiro filme parou, com todos os personagens exatamente no lugar onde os deixamos. Glinda, A Boa (Ariana Grande), continua sendo a musa cor-de-rosa inspiradora do povo de Oz, enquanto Elphaba (Cynthia Erivo) segue escondida na sombra de sua própria lenda como a temida Bruxa Má do Oeste. Nada realmente se altera nessa dinâmica clássica: apesar de algumas reviravoltas tímidas, as duas permanecem amigas nos bastidores.
A violência cresce, a sede de vingança de Elphaba contra o Mágico (vivido novamente por Jeff Goldblum em apenas um tom!) se intensifica, mas nada disso se traduz em profundidade dramática. Até os conflitos da Parte I, como o sofrimento dos animais, reaparecem apenas como um lembrete protocolar, sem qualquer evolução ou significado mais profundo. O novo foco da narrativa gira em torno daquela velha máxima de que, para existir o bem, alguém precisa encarnar o mal. Uma filosofia tão batida quanto a poeira acumulada nos tijolos de Oz. Mas ok, sabemos que precisa existir nesse conto de fadas.
O problema é que, já conhecendo todos esses personagens e sabendo exatamente como cada um reage, o filme não oferece nenhuma nova camada, nenhum frescor, nenhuma fagulha, absolutamente nada. Tudo repete o mesmo clima, o mesmo visual, os mesmos conflitos e, no cinema, isso se traduz em um grande borrão tedioso de 2 horas.
As canções, aqui, beiram o enfadonho, distantes do grude irresistível do primeiro filme. Cada sequência musical, mesmo sustentada pelas vozes brilhantes da dupla, se dissolve antes de causar impacto. É o tipo de número que nos lembra, infelizmente, como alguns musicais ainda conseguem transformar a sala de cinema em um teste involuntário de paciência.

Agora, a história passa a se levar a sério demais e, nesse processo, espreme quase todo o espaço que restava para o espetáculo, a fábula, o imaginário. Falta emoção na tentativa de transmitir o conflito dessas duas amigas que agora ocupam lados opostos da história; e, para piorar, a premissa acaba soando ridícula, rasa e interpretada de forma quase infantilizada. Ariana Grande, especialmente, parece cada vez mais aprisionada na caricatura da patricinha sonsa que finge inocência. Ela simplesmente não convence em nenhuma lágrima. Em cenas dramáticas, parece uma criança tentando simular um adulto em desespero, na comédia, tem talento, mas é sabotada pelo roteiro imaturo.
Do outro lado, Wicked: Parte II se equilibra — e sobrevive — graças a Cynthia Erivo, a verdadeira força motora dessa trama. Mesmo com menos espaço nesta conclusão, ela continua carregando o peso dramático de sua personagem com uma naturalidade quase heroica. As canções podem não a ajudar como na Parte I, mas Erivo ainda consegue conduzir a emoção com a precisão de quem realmente entende o que está fazendo e conhece a dor de sua personagem. Elphaba é, de modo geral, uma figura interessantíssima na cultura pop, e Erivo à compõe com amor, emoção e doçura. Isso sim vai deixar saudade.

Nas duas partes, a condução de Jon M. Chu é até adequada, embora ele concentre praticamente todo o espetáculo apenas nas cenas musicais. Mas a direção de fotografia não colabora: o filme é escuro demais, soturno sem necessidade, e quando finalmente surge cor, ela aparece revestida de uma artificialidade quase plastificada, fruto do CGI em excesso e de uma estética que mais lembra um conto de fadas moderno da Disney em seu modo mais industrial e genérico.
Tudo parece acelerado, atropelado, o que acaba sabotando a belíssima direção de arte e o figurino, ainda impecáveis, ainda opulentos, ainda dignos de um musical dessa escala. O maior problema, porém, é o ritmo completamente desequilibrado: as canções se arrastam como se cada número durasse uma eternidade, enquanto as cenas dramáticas passam voando, sem tempo para respirar. É uma maratona esteticamente luxuosa, mas narrativamente exaustiva, sem força para sustentar o encanto inicial.
Veredito
No fim, Wicked: Parte II parece um banquete preparado para ser um grande final, mas servido com ingredientes requentados. A mistura excessiva de elementos, todos gritando por atenção, gera um desfecho que se esforça para soar épico, mas desafina gravemente. O roteiro, imaturo, expõe as rachaduras que já estavam ali desde a Parte I, agora ampliadas pelo peso de uma ambição que o filme simplesmente não consegue sustentar. Há beleza, claro, mas é aquela beleza de vitrine. E, quando o brilho se desfaz, resta a sensação de que esse capítulo final ficou devendo até mesmo ao próprio encanto que prometeu entregar.

Se algo permanecer dessa aventura dividida em dois atos, será Cynthia Erivo — e somente ela. Sua performance, intensa e terna, carrega um lastro emocional que o filme jamais consegue acompanhar. O resto se dilui na espuma da cultura pop em poucas semanas, como tantos musicais grandiosos que esquecem o essencial: coração, ritmo e coragem de arriscar. Wicked: Parte II até tenta erguer voo, mas falta vento, melodia e, sobretudo, propósito. É um espetáculo que mira o extraordinário, mas aterrissa em algo morno demais para marcar época. Erivo deixa saudade; o filme, nem tanto.
NOTA: 5/10
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