Sempre jogando pelas beiradas de Hollywood, Steven Soderbergh (Onze Homens e um Segredo) é um nome que definitivamente merece mais reconhecimento. Com seu humor seco e a elegância de quem conta histórias simples, mas sempre com um tempero a mais, o cineasta tem entregado uma sequência consistente de obras minimalistas, marcadas pelo impacto emocional e por personagens complexos e tridimensionais.
Especialmente na última década, seus filmes têm sido um deleite para quem busca uma experiência cinematográfica refinada. E este ano é ainda mais especial: no mesmo mês, Soderbergh emplaca dois filmes nos cinemas. O primeiro é A Presença, um terror psicológico em primeira pessoa, e o segundo é Código Preto (Black Bag), um thriller de espionagem estiloso e seco, que chega ao Brasil pela Universal Pictures.
Embora essa dinâmica clichê de “casal em crise em meio a traição e desconfiança” não traga exatamente uma novidade — remetendo ao melhor estilo Sr. e Sra. Smith —, Soderbergh (gênio que é!) constrói uma atmosfera de suspense e intriga envolvente, sedutora e surpreendentemente imersiva. Ele prova mais uma vez que é possível fazer uma obra-prima com poucos recursos, desde que haja uma mente visionária e disposta a subverter o óbvio.
Os acertos e erros do filme
Código Preto pega emprestado a dinâmica conjugal como metáfora para a desconfiança, mas se diverte sendo um filme de espionagem estiloso e sólido, com ecos de 007, Killing Eve e outros clássicos do gênero. Quando George, interpretado pelo sempre metódico Michael Fassbender (O Assassino), recebe a difícil missão de investigar seus próprios amigos — e sua esposa — em uma trama que pode custar milhares de vidas, inicia-se um dilema ético que rende diálogos afiados e momentos de tensão dignos de uma verdadeira torta de climão.
O destaque vai para o jantar que abre o filme, uma sequência de tirar o fôlego que remete à atmosfera inquietante de obras como The Invitation. Mas é Cate Blanchett (Tar), no papel da esposa e também espiã, quem eleva a trama. O que poderia ser apenas mais uma história de traição e intriga se transforma em um jogo psicológico de camadas complexas e reviravoltas inesperadas — todas funcionando com a precisão de um relógio suíço.

É, obviamente, um filme verborrágico. O roteiro inteligente e dinâmico de David Koepp abre mão do excesso de ação, tiros e explosões — embora tenha algumas! — típicas do gênero, para se concentrar na construção de personagens com camadas profundas, reforçando a sensação constante de que todos podem estar mentindo o tempo todo.
O filme entrega grandes sequências baseadas apenas em diálogos afiados e secos, temperados com um humor sombrio, o que pode afastar quem busca mais ação. Ou seja, pode dar sono para os menos pacientes — mas quem se deixar levar pela dinâmica sádica do casal e seus interrogatórios tensos será totalmente fisgado.
O roteiro nem sempre acerta: a trama carrega aquela complexidade clássica de narrativas de espionagem, com nomes complicados, dados específicos e algumas conveniências que a gente simplesmente aceita e segue em frente. Mas, felizmente, as respostas não chegam de bandeja. O suspense é bem dosado e se sustenta do começo ao fim, mantendo o público intrigado até o último momento.

Veredito
Um thriller raiz, compacto, habilidoso e sólido, com uma direção magistral e uma trama simples, mas temperada com humor ácido, desconfiança e reviravoltas inteligentes. Com Código Preto, Steven Soderbergh faz cinema com a segurança de quem domina o ofício, combinando a simplicidade do roteiro com a imersão profunda que nasce de personagens intrigantes, sedutores e de uma história de amor friamente calculada — um perfeccionismo viciante que remete às melhores obras de nomes como David Fincher.
Desde a fotografia embaçada e estourada, tingida de tons de amarelo, até a trilha constante e inquietante, Soderbergh mantém nossa atenção como em um truque de mágica. É um entretenimento despretensioso que, sem alarde, se revela o primeiro grande filme do ano.