Às vezes, a linguagem é o elemento que define um filme e o torna único. Após explorar diversos gêneros e desafiar os limites do cinema moderno, Robert Zemeckis (Forrest Gump, De Volta Para o Futuro) se aventura por um terreno quase inexplorado, criando um filme sem a principal matéria-prima do cinema: o movimento. De um lado, o drama Aqui (Here) é uma obra profundamente engenhosa, que desafia convenções do início ao fim. Por outro, pode ser vista como um exercício existencialista que perde o fôlego muito cedo.
Com uma câmera imóvel e um quadro estático posicionado em um canto de sala, o filme acompanha a trajetória de uma família ao longo de quase um século. Ainda assim, vai além, conectando o presente aos primórdios da humanidade para transmitir uma ideia poderosa: cada ambiente carrega as vozes e memórias de tudo e todos que um dia ali existiram. Poético e reflexivo, a produção flerta com a profundidade, mas corre o risco de se tornar extensa demais para muitos espectadores.
Os acertos e erros do filme
Assistir a Aqui é uma experiência assustadoramente peculiar, marcada pela sensação de estar diante de algo quase único, embora não completamente inovador — afinal, filmes como A Ghost Story já exploraram técnicas não-lineares semelhantes. No entanto, o que diferencia esta obra é sua capacidade de evocar a ternura e o afeto de folhear um álbum de fotografias de família. Essa conexão emocional, mesmo que sutil, é reforçada pela inspiração na graphic novel homônima de Richard McGuire, onde o conceito funciona com ainda mais precisão.
Apesar de seu formato estático, o filme cativa ao nos convidar a explorar cada detalhe do quadro fixo (aqui, o que se move são nossos olhos pela tela!), enquanto as mudanças no tempo revelam como a casa absorve e reflete as transformações ao longo dos anos. Embora o roteiro insista em um sentimentalismo que nem sempre convence, a técnica visual cumpre seu papel com maestria, prendendo nossa atenção como um peixe fisgado pelo anzol.
E então entra em cena a horrenda inteligência artificial para rejuvenescer Tom Hanks e Robin Wright, aliás, marcando o primeiro reencontro da dupla em 30 anos desde Forrest Gump. Apesar da dose de nostalgia ser saborosa e a química boa, o resultado técnico deixa a desejar, flertando perigosamente com o vale da estranheza (com olhos sem vida!). Talvez o uso de maquiagem e próteses tivesse alcançado um resultado mais convincente. Enquanto a montagem e edição do filme impressionam pela sagacidade, as atuações acabam aquém do esperado, com uma entrega que soa excessivamente ensaiada e teatral.
O distanciamento da câmera, tal como nos primórdios do cinema com Georges Méliès, elimina a possibilidade do emotivo close-up, privando o público das nuances emocionais que poderiam gerar maior conexão com esses personagens rasos. Tudo é muito óbvio e previsível. Zemeckis sabe brincar com a câmera e com o tempo como poucos de sua geração e faz um truque divertido, junto com o diretor de fotografia Don Burgess, mas sofrido para realmente comover como alguns de seus ótimos filmes anteriores.
Veredito
O filme explora com sensibilidade as alegrias e angústias da vida, a saudade e os encontros fortuitos do destino, tudo com leveza e acessibilidade. Aqui impressiona mais pelo impacto técnico do que pela força narrativa, mas ainda assim se destaca como uma obra engenhosa e criativa de um cineasta que não teme subverter as convenções para evitar a mesmice, como muitos andam fazendo por aí.
O conceito é brilhante, mas acaba preso em uma trama previsível, com um elenco que entrega atuações superficiais. Mesmo assim, o passeio ao cinema vale a pena pelo experimento audacioso que Robert Zemeckis propõe, provando mais uma vez seu talento em brincar com as possibilidades na tela grande no auge dos seus 70 anos.