Crítica | Nosferatu – Robert Eggers desenterra a lenda em gótico inebriante

Desde que trouxe A Bruxa aos cinemas e redefiniu a maneira de criar filmes de terror com camadas profundas na última década, Robert Eggers tem se consolidado como um nome bastante essencial para o gênero, mostrando também sua habilidade em lidar com grandes orçamentos. Após uma pausa para dirigir o épico de ação O Homem do Norte, o cineasta retorna ao que faz de melhor com uma reimaginação sombria e gótica de Nosferatu, clássico que marcou a história do cinema e do expressionismo alemão.

Essa nova interpretação reflete a ascensão do expressionismo moderno, uma estética que permeia, por exemplo, toda a carreira de nomes como Tim Burton e vem ganhando força no chamado “pós-horror” ou horror dramático. Eggers amplifica o original de 1922, dirigido pelo alemão F.W. Murnau, adicionando cerca de 30 minutos à trama, aprofundando o pesadelo e entregando um espetáculo visual e sonoro que deve dividir opiniões entre os fãs e críticos. Mas não é exatamente isso que os grandes filmes fazem?

Os acertos e erros do filme

Claro que desenterrar um clássico tem lá suas maldições imperdoáveis e nem tudo que encantou o público na década de 1920 funciona com a mesma força mais de um século depois. Enquanto o filme original revolucionou as regras do cinema de vampiros, nascendo como uma reimaginação (ou plágio) de Drácula, de Bram Stoker, a nova versão enfrenta o temido desgaste natural de um subgênero já saturado. Hoje, Nosferatu é, infelizmente, mais um filme de vampiro revisitando a lenda do Conde Drácula sem grandes inovações. E disso o roteiro não sabe contornar.

No entanto, o Nosferatu de Eggers é mais denso, mais do que um simples remake. Embora siga a mesmíssima narrativa do original, ele também se apresenta como uma ousada releitura do expressionismo, imaginando como o movimento poderia ter se desdobrado com o respaldo de um grande orçamento e o impacto visual de um blockbuster de horror. As formas distorcidas e as sombras continuam a moldar os cenários, mas agora ganham uma escala monumental, que transforma o filme em uma celebração do cinema em sua expressão mais grandiosa e visceral. É difícil não se encantar com o mundo dark que o diretor cria e sua atmosfera absolutamente hipnotizante.

Essa versão adota um estilo narrativo muito mais onírico e teatral, que dá à obra uma atmosfera belíssima, singular e inquietante, mas que deve enfrentar dificuldade em cativar o grande público, assim como aconteceu com A Bruxa em 2015. As atuações são propositalmente exageradas, evocando o espírito do século XIX, e há momentos em que a sensação é de estar preso em um pesadelo do qual não se pode despertar. Às vezes no tédio do texto verborrágico, às vezes da trilha sonora enervante e intensa.

Eggers combina esses sonhos delirantes com a trama básica do vampiro que espalha morte por onde passa. Embora o roteiro seja raso e previsível, o filme compensa com sequências visuais hipnotizantes, onde cada cena é uma obra-prima profana. Dos figurinos à fotografia fria e monocromática (que lembra muito a vibe emocore de A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça), a atmosfera de horror é cuidadosamente construída, que torna a experiência cinematográfica ideal para ser apreciada na maior tela possível.

No papel do icônico Conde Orlok, Bill Skarsgård – impressionantemente irreconhecível – entrega uma performance potente. Com um visual transformado — incluindo um bigode que substitui as clássicas orelhas pontudas e os dentes proeminentes do Nosferatu —, ele encarna o mal com intensidade assustadora, provando mais uma vez seu talento em criar figuras que aterrorizam com facilidade. Tem um pézinho do visual do Jim Carrey em Sonic? Um pouco.

Enquanto seguimos a jornada do casal Thomas e Ellen Hutter, interpretados por Nicholas Hoult e Lily-Rose Depp, os dois formam um par razoável, embora a química entre eles deixe a desejar. Depp, no entanto, rouba a cena com sua entrega ao papel, mesmo que sua personagem melancólica seja mal desenvolvida e careça de qualquer profundidade – ainda que tenha uma ligação mais coerente com Orlok que no original e seja menos objetificada. Já Hoult parece repetir maneirismos de seu trabalho anterior na comédia Renfield – Dando Sangue Pelo Chefe, o que enfraquece sua presença.

Willem Dafoe, apesar de sua presença sempre marcante, cai no risco de se tornar previsível, preso a uma zona de conforto que limita o impacto de sua performance. De qualquer forma, suas expressões e energia ainda conseguem sustentar parte da atmosfera do filme, mesmo que algo de novo esteja faltando. Seu personagem, um professor mestre do ocultismo, não agrega nada de interessante. Aliás, Eggers, apesar de sua mente visual brilhante, sempre enfrenta dificuldades em desenvolver personagens no papel, o que acaba sendo o ponto mais fraco de suas obras.

O tecido do filme se desenrola a partir da conexão sexual perturbadora entre Ellen e Orlok, marcada por um desejo sombrio e quase uma agressão perversa por parte do vampiro. Essa relação, introduzida de forma emocional logo no início da trama, dá um peso maior à história, culminando em um desfecho dramaticamente belo e aterrorizante. Embora Orlok não seja tão assustador à primeira vista, sua presença animalesca e sua voz imponente criam uma atmosfera de angústia.

O filme combina elementos tradicionais de vampiros com características demoníacas e de possessão, traçando paralelos com a peste negra e a incompreensão da depressão e da sexualidade feminina em uma época repressiva. Essas nuances enriquecem o terror psicológico, enquanto imagens perturbadoras reforçam a tensão. Curiosamente, este é o trabalho mais convencional de Eggers no gênero, trazendo até jump scares mais acessíveis ao público.

Veredito

Apesar de ser um remake profundamente inspirado, a versão de Nosferatu de Robert Eggers tem sangue próprio correndo nas veias. Mesmo carregando vida nova, a obra reverencia suas origens, desenterrando a lenda e amplificando-a em uma interpretação gótica, profana e cinematograficamente imersiva para ser apreciada na maior tela possível.

Com performances intensas e shakespearianas, que certamente dividirão o público mais conservador, o filme reafirma o valor de Eggers no gênero de terror. Sua estética singular transforma este em seu projeto mais apaixonado e pessoal até agora, ancorado na atuação potente de Bill Skarsgård como o vilão cadavérico.

Sombrio, hipnótico e envolvente, Nosferatu é uma experiência monocromática que eleva o cinema de terror blockbuster ao nível de pura arte em movimento. Do início ao fim, o filme entrega uma jornada visual e emocional tão carregada de intensidade que parece evocar o espírito do emo gótico dos anos 2000 — já dá vontade de ouvir Evanescence só de lembrar.

Nota: 8/10

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