Crítica | Motel Destino – Thriller erótico que vai do tesão a tensão

Após uma trajetória marcada por diversidade e imersão, Karim Aïnouz (Madame Satã / A Vida Invisível / O Céu de Suely) continua a demonstrar que ainda guarda surpresas com sua narrativa envolvente no cinema autoral brasileiro. Ovacionado em Cannes e também no Festival de Gramado, Motel Destino é a essência pura do desejo, condensada em uma obra cinematográfica que dá voz às pessoas invisíveis em um Brasil vasto, repleto de vidas e histórias ainda não contadas.

O drama cearense logo se desdobra em um intenso thriller erótico deliciosamente sensual e sombrio, que mostra como o cinema brasileiro pode ser grandioso, mesmo quando contido nos limites de um modesto motel de estrada, onde sexo, amor e raiva se entrelaçam, brindando com uma cerveja bem gelada.

O filme de Karim curiosamente rompe barreiras ao mesclar o sutil e contemplativo cinema de autor brasileiro com uma crescente demanda de público, aproximando-se do impacto de um blockbuster nacional impulsionado pelo boca a boca. Essa rara conquista merece ser celebrada.

Os acertos e erros de Motel Destino

Motel Destino parte de um ponto comum no cinema brasileiro: pequenas histórias ocultas em cenários inusitados, permeadas por violências e desejos. Com simplicidade no cenário e um elenco minimalista, o filme se destaca por seu estilo visual absolutamente fantástico, repleto de cores vibrantes e banhado pela luz solar do Nordeste brasileiro.

O calor da região se transforma em uma textura que colore a pele dos personagens e intensifica a narrativa sensorial e envolvente. A imersão é tão profunda que o calor transborda da tela, evocando a nostalgia dos clássicos “filmes de verão”, onde amores passageiros, corpos à mostra e suor carregado de desejo definem a estação.

Com quatro protagonistas, sendo o próprio motel decadente um personagem central que impacta e transforma a vida de todos, o drama segue a trajetória de um jovem problemático que se envolve com a dona de um motel à beira de estrada no interior do Ceará, entrando em um triângulo amoroso com ela e seu marido violento, interpretado por Fábio Assunção (Todas as Flores). Aliás, o elenco exala uma presença marcante na tela e uma química sexual alucinante.

O estreante Iago Xavier surpreende com sua atuação, imerso de tal forma em seu personagem que parece fazer cinema desde a infância. Seu personagem, Heraldo, é um protagonista complexo, com ares de Robert De Niro em Taxi Driver, carregado de traumas e repressões, mesmo em sua juventude. Ao entrar no motel, ele altera a dinâmica do local, tornando-se quase um novo sol ao redor do qual todos passam a orbitar. E Iago entrega uma performance excepcional e promissora, assim como Nataly Rocha (Divino Amor), que interpreta uma mulher igualmente reprimida, desejando liberdade e autonomia em meio a um relacionamento abusivo.

Nataly é uma força da natureza em cena, utilizando um toque inesperado de humor para dar vida a uma personagem comum e sentimental, com quem muitas mulheres brasileiras, aprisionadas em seus próprios “castelos”, facilmente se identificam, ansiando por escapar desse conto de fadas distorcido e assumir o controle de suas vidas.

Fábio Assunção, é claro, não fica para trás. O ator veterano brilha no papel de um homem igualmente complexo, vindo de outro estado e dominado pelo desejo, disposto a atropelar tudo e todos para saciá-lo. Assunção é como uma tela em branco, absorvendo com maestria tudo o que a cena lhe oferece, e Karim sabe explorar bem o charme do galã para revelar também seu lado mais perverso e sombrio. Os três protagonistas estão entrelaçados por uma dinâmica sexual intensa e um desejo comum, seja por sexo ou por uma vida mais digna. Tudo isso permeado pela inevitável influência do destino em suas escolhas.

A estética do filme é uma verdadeira obra de arte. As cores vibrantes, a fotografia intensa e o trabalho primoroso de som e música transformam aquele motel, constantemente cercado por gemidos de sexo, quase como um Zona de Interesse erótico, em um ambiente misterioso, denso e perturbador. As cenas mais íntimas são compostas com uma delicadeza rara, sob o olhar atento de Aïnouz.

Cada momento sexual não é gratuito; ao contrário, ele constrói tanto a profundidade dos personagens quanto a energia sexual que impregna as paredes do lugar. É evidente o prazer do diretor em criar algo visualmente impactante e belo para o cinema. Faz tempo que não se veem cenas de sexo tão bem executadas, estilizadas e intrinsecamente conectadas à narrativa. Com exceção de alguns diálogos expositivos demais, especialmente do prólogo após a impactante cena da morte de um dos personagens, tudo funciona com vigor. 

Veredito

Motel Destino constrói com maestria um suspense noir erótico, febril e absolutamente sedutor, que envolve e imerge o espectador em uma narrativa carregada de sensualidade. O filme explora os corpos e as cores vibrantes do Nordeste brasileiro de maneira tão bela que parece quase inalcançável. A tela se enche de desejo pulsante, tensão sexual e uma boa dose de suor que transparece tanto o talento de seus atores quanto a visão criativa e ousada de Karim Aïnouz.

O filme faz jus ao seu hype; embora seja mais sexual do que o esperado, a construção do seu universo funciona perfeitamente, assim como a personificação do desejo. Vívido, audacioso, delicioso e, acima de tudo, emocionante, ele transpira o mais puro e saboroso cinema brasileiro, passando da tensão acumulada a um clímax estético único. Brilhante!

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NOTA: 9/10

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