Anatomia de Uma Queda (Anatomie d’une Chute), drama fancês dirigido pela talentosa Justine Triet e que chega ao Brasil pela Diamond Films, não é um filme feito para passar despercebido; é um poderoso e cru estudo de personagens que, acima de tudo, desvenda as complexidades das relações humanas sob a lupa implacável do cinema.
O enredo, que começa como um mistério de possível crime, logo se revela um drama de tribunal honesto, que se dedica meticulosamente a desvendar as camadas psicológicas de uma família em vertigem. A diretora, merecidamente agraciada com a Palma de Ouro em Cannes, tece uma narrativa que nos envolve de maneira fascinante e nos leva a questionar o que é real e o que é manipulação da nossa mente julgatória.
A trama e o elenco de Anatomia de uma Queda
Ao adentrar na intricada trama de Anatomia de Uma Queda, somos guiados pela vida desmoronante da escritora alemã Sandra (interpretada de maneira magistral por Sandra Hüller) diante da morte misteriosa e trágica de seu marido, Samuel. O roteiro, que inicialmente parece mergulhar em um típico thriller judicial, se transforma em uma exploração profunda e emocional da relação tumultuada do casal e do seu filho único, papel desempenhado com surpreendente maturidade pelo jovem Milo Machado Graner. O cenário frio do chalé nos Alpes franceses, apesar de ser uma moldura gélida, é palco de um amor enterrado sob camadas de desgaste, ressoando simbolicamente com a natureza da investigação em curso.
As camadas do roteiro são verdadeiramente fenomenais, exigindo coragem para transformar duas horas de procedimentos judiciais em um mergulho na psique de personagens complexos. O filme se desdobra como uma intrincada tapeçaria, levando o espectador a questionar não apenas a natureza da morte suspeita de Samuel, mas também a verdadeira anatomia das relações familiares.
As performances de Hüller e Graner são excepcionais, elevando o filme além das expectativas. A desconstrução meticulosa da vida aparentemente perfeita da família desenha um quadro de intensidade emocional, enquanto o roteiro, embora centrado em diálogos longos, constrói, camada por camada, a narrativa cativante e surpreendente.
O trabalho de direção de Justine Triet, embora perspicaz ao explorar os sentimentos dos personagens, por vezes vacila na escolha da estética visual. A câmera tremida, em alguns momentos, interfere na imersão, obscurecendo a fronteira entre o documental e o ficcional.
O equilíbrio entre o senso de humor e o peso dramático, buscado por Triet, nem sempre é atingido com sucesso, resultando em momentos de desconexão. No entanto, a narrativa íntima e realista compensa essas oscilações técnicas. Aliás, Anatomia de Uma Queda não brilha pela inovação técnica, mas pela força de suas temáticas e pela habilidade de contar uma história intrigante e humana, especialmente quando mergulha de cabeça na conexão entre mãe e filho.
Veredito
No desfecho intrépido de Anatomia de Uma Queda, as questões que permeiam a trama são inteligentemente insolúveis. A narrativa se afasta da tradicional resolução de mistérios e mostra que, aqui, a verdade realmente não importa. Foi um acidente, um suicídio ou um assassinato? O filme se recusa a fornecer respostas claras e entrega, no lugar disso, em um fascinante drama jurídico que desafia convenções. Ao invés de se prender a uma solução cabível, o longa convida o público a se tornar jurado de uma história enredada na complexidade das conexões familiares, onde cada detalhe é uma peça crucial num quebra-cabeça emocional.
As atuações magistrais de Sandra Hüller e Milo Machado Graner, por sua vez, conferem à narrativa uma profundidade inigualável. Cada olhar, gesto e diálogo contribui para a desconstrução da fachada de uma vida aparentemente perfeita. Justine Triet, seguindo os passos de grandes diretores, como Ingmar Bergman, imprime uma análise clássica de relacionamentos complicados de casal pela ótica do cinema.
Como sabemos, homens mortos não podem contar histórias, mas Anatomia de Uma Queda deixa a audiência como os arquitetos emocionais dessa trama, uma montanha-russa entre a realidade e a invenção que ecoa no âmago do espectador muito além dos créditos finais. Um thriller inteligente e longo, que explora as entranhas de um relacionamento em colapso e o significado da verdade em meio ao caos das emoções humanas.
NOTA: 9/10
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