Crítica | Marinheiro das Montanhas – A vida visível de Karim Aïnouz pelo mar da saudade

Karim Aïnouz (A Vida Invisível), um dos navegadores mais sensíveis dos mares cinematográficos brasileiros, ancora em seu projeto mais pessoal e intimista. Marinheiro das Montanhas é sua carta de amor e saudade à memória apaixonada de sua falecida mãe e às raízes em terras argelinas, onde seu misterioso pai nasceu.

Através da lente lírica de sua câmera, com imagens de arquivos e retratos do passado, bem como com capturas deslumbrantes da Argélia, Aïnouz nos transporta por uma odisseia emocional. O cinema, neste projeto, é mais que uma tela: é um diário visual e sensorial, uma janela para relações humanas que ultrapassam nossos horizontes particulares.

A trama e o elenco de Marinheiro das Montanhas

O ducumentário desvela o diário filmado da primeira jornada de Karim à Argélia. Entre os vestígios desta viagem, os rastros de filmagens caseiras, fotografias amareladas e fragmentos de super-8, tecemos um rico tapete que mescla a romântica história de seus pais, o turbilhão da Guerra de Independência Argelina, reminiscências de uma infância brasileira e as paisagens de Cabília e Fortaleza, berço de Karim e de sua saudosa mãe.

O roteiro não segue um mapa, mas se deixa levar pelos ventos da memória, permitindo que o passado e presente dancem em harmonia na tela. Com sua linguagem singular, tão poética quanto seu coração, Aïnouz captura a essência dos locais e seus habitantes. Sua narração não apenas nos guia por terrenos desconhecidos, mas também por territórios emocionais, descobrindo os mistérios que habitam a relação ardente de seus pais.

Como uma brisa suave, a narrativa flui e carrega consigo o peso da saudade, a doçura da melancolia e a profundidade do amor. A lembrança de sua mãe, carinhosamente apelidada de “Iracema”, ecoa o romance clássico de José de Alencar, e também reflete seu amor imortal pelo cinema – um amor que vai além das fronteiras do tempo e da memória.

A estética do filme é um espetáculo à parte. As imagens, com seu granulado nostálgico, são como fragmentos de um sonho. Karim é um artista que transborda emoção; suas personagens, reais ou ficcionais, sempre nos cativam com sua humanidade palpável. A trilha sonora, pulsante e viva, é o coração que dá ritmo à obra, tornando-a ainda mais imersiva.

Marinheiro das Montanhas também mergulha nas águas profundas da história argelina, iluminando seus confrontos passados com a França. É uma viagem que enriquece nossa compreensão do mundo e, ao mesmo tempo, nos prende em um ritmo cadenciado e envolvente.

No entanto, o filme, em sua delicadeza, às vezes se demora um pouco mais do que deveria, talvez devido ao apego emocional de Karim a cada frame. Mas mesmo nos momentos mais cotidianos, o cineasta encontra o ângulo perfeito para extrair a beleza da simplicidade.

Ao final da obra, nos vemos confrontados com questões sobre nossas próprias raízes, identidade e as infinitas possibilidades que poderiam ter moldado nosso ser. É um convite para refletir sobre vidas paralelas, existências alternativas e o que nos faz ser quem somos.

Veredito

Marinheiro das Montanhas, um farol luminoso na filmografia de Aïnouz, nos imerge em uma viagem que transcende o tempo e o espaço. É uma homenagem carinhosa e ao mesmo tempo uma reflexão profunda sobre a identidade e o amor. Apesar de sua melancolia, o filme brilha com sua montagem, narrativa e a perspectiva única sobre a Argélia.

Aïnouz prova mais uma vez que, com simplicidade e sensibilidade, é possível criar histórias que nos tocam profundamente. Ao final, a sensação é de uma saudade inesperada, um anseio por um passado que nunca vivemos, mas que, através de sua lente, sentimos como se fosse nosso.

NOTA: 9/10

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