Crítica | Clonaram Tyrone! – Homenagem inventiva aos filmes Blaxploitation

Clonaram Tyrone! (They Cloned Tyrone), nova produção da Netflix, é uma surpreendente e hilária mistura de gêneros. Por um lado, o filme apresenta uma exploração bastante exagerada de certos males sociais, enquanto, por outro, se desenvolve como um misterioso enredo sci-fi, com toques de comédia satírica e elementos de terror. À primeira vista, essa combinação pode parecer improvável de funcionar, mas consegue nos cativar com um equilíbrio inteligente entre crítica social e referências ao cinema negro norte-americano.

A trama e o elenco

O conflito inicial, que surge a partir de uma improvável coincidência envolvendo um cafetão, uma trabalhadora do sexo e um traficante de drogas que se deparam com um laboratório subterrâneo secreto e uma possível operação de clonagem humana, é apresentado com surpreendente coerência. A consternação do trio perante a situação é superada pela descoberta de que forças sinistras operam na cidade há algum tempo, minando a confiança mútua.

Essa situação estranha, embora peculiar, é compreensível, graças ao excelente desempenho do elenco ao retratar personagens de classes sociais baixas e médias, com lutas realistas do dia a dia. Além disso, a inclusão de uma conspiração governamental tenebrosa, que guarda semelhanças com tensos eventos históricos, confere uma profundidade adicional ao enredo do filme.

A abordagem visual também contribui para o seu apelo. A estética do filme é uma fusão cativante entre o estilo Future Retro e o movimento Vaporwave, criando uma atmosfera ambígua em relação ao período de tempo em que se passa. Essa atmosfera – com um aspecto granulado de película – favorece a criação de um ambiente futurístico sombrio e moderno, ao mesmo tempo em que evoca uma energia saudosista dos anos 70/80. De fato, o lado soturno do filme nos imerge em um mundo distópico e misterioso que possui bastante indentidade própria.

A atmosfera intrigante criada pela fusão de diferentes períodos de tempo ecoa as sombras sinistras que pairam sobre a cidade. Essa familiaridade estranha torna o enredo ainda mais relevante, especialmente considerando como o elenco, em sua maioria negro, representa personagens frequentemente estigmatizados.

Contudo, apesar das inúmeras qualidades já citadas, o roteiro por vezes peca ao recorrer aos preguiçosos Deus Ex Machina, elementos que resolvem inesperadamente situações complexas. Embora mantenha uma trama envolvente, essas resoluções convenientes podem causar certa desconexão com sua engenhosidade.

Porém, essa mistura bem-sucedida não teria sido possível sem o talentoso elenco. John Boyega (Star Wars) entrega uma interpretação convincente do protagonista Tyrone Fontaine, um traficante de drogas que impõe respeito em qualquer ambiente. A habilidade de Boyega em transmitir não apenas raiva, mas também uma ampla gama de emoções, traz profundidade ao seu personagem.

Jamie Foxx (Django Livre), por sua vez, brilha ao retratar o extravagante cafetão Slick Charles, proporcionando momentos cômicos que aliviam a tensão. Enquanto isso, Teyonah Parris (WandaVision) rouba a cena com sua atuação como a versátil e confiante Yo-Yo, trazendo carisma e senso de humor para a história. Já a condução de Juel Taylor – roteirista de Creed 2 – é imaginativa e veloz, mas tem falhas no ritmo que não passam despercebidas.

O enredo, conforme se desdobra, possui uma mensagem positiva clara, embora apresente obscuridades em sua execução. A revelação da conspiração que o trio desvenda – inicialmente envolvendo clonagem, mas revelando camadas mais profundas – é tão escandalosa que, por vezes, pode enfraquecer a abordagem dos roteiristas sobre a opressão sistêmica no mundo real. Comparado a outras produções, pode ser visto como uma batida divertida de Westworld com os filmes de Jordan Peele.

A perspectiva inteligente de ficção científica, aliada aos comentários sociais perspicazes, reforça o tom satírico, mas é esse exagero que falha quando deseja expôr os infortúnios enfrentados pela comunidade negra. Ademais, o final do filme pode ser considerado bem anticlimático. Embora apresente uma conclusão interessante baseada na eugenia e uma manifestação comicamente absurda da política de respeitabilidade, os acontecimentos finais parecem apressados. Todo o conflito fica subdesenvolvido, infelizmente.

Veredito

Apesar de algumas decisões preguiçosas do roteiro e confusões na trama, o estiloso Clonaram Tyrone! é uma divertida mistura de gêneros que presta uma homenagem inteligente ao movimento Blaxploitation dos anos 1970. Uma sátira social incisiva, como pegar o estilo icônico de Jordan Peele e apimentá-lo ao extremo.

O filme se destaca por seu trio talentosíssimo de protagonistas, premissa engenhosa envolvente e estética elegante, que o diferencia de ser uma clonagem de outras produções similares. Embora alguns de seus comentários sociais sejam perspicazes, sua credibilidade é, em alguns momentos, comprometida pelos eventos improváveis que permeiam a trama principal, e o final pode deixar a desejar em termos de desenvolvimento. Ainda assim, não deixa de ser uma deliciosa surpresa e, sem dúvida, um dos melhores filmes da Netflix em 2023.

NOTA: 8/10

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