Crítica | Noites Alienígenas abduz o público para mostrar outro lado do Brasil

O espaço sideral tem se tornado em tema recorrente no cinema nacional dos últimos anos e muito disso vem do fato de que grande parte das novas produções estão explorando universos ainda pouco abordados nas telas. Mas esse “outro mundo” pode vir de forma mais literal, como no ótimo Marte Um e no curta-metragem Sideral, ou também nascer de uma perspectiva metafórica, como vemos no prestigiado Noites Alienígenas, considerado o primeiro longa do Acre a chegar aos cinemas.

A produção, comandada por Sérgio de Carvalho, mergulha com seu foguete explorador na identidade brasileira e mostra uma versão da Amazônia urbana que nunca conseguiu encontrar seu espaço nos cinemas, mas que guarda histórias absolutamente impactantes e que vão além das tradicionais “lendas da floresta”. O impacto da violência e do crime organizado vindos do Sudeste serve de base para a narrativa eletrizante, digna de qualquer filme “sudestino”, e, como cita um dos personagens da trama, a ideologia do “crime em busca do progresso” e faz nascer um conto tocante, inspirado e que não cabe apenas na floresta.

A trama e o elenco

De forma inventiva, a premissa foge do convencional e expõe assuntos conflitantes de uma região carregada de narrativas, onde a ancestralidade dos povos tradicionais resiste à contemporaneidade que insiste em negar suas origens. Com elementos fantasiosos, o longa apresenta a história de três personagens da periferia de Rio Branco – Rivelino (vivido pelo ótimo Gabriel Knox), Sandra (Gleici Damasceno) e Paulo (Adanilo Reis) – três amigos de infância impactados pelo conflito entre facções criminosas e pela violência urbana, que, nos últimos dez anos, quase triplicou o assassinato de crianças e jovens no Estado do Acre. Nesse universo particular, o trio precisa sobreviver às guerras do cotidiano e mudar a dura realidade imposta a eles.

E para que a trama tenha toda a força necessária para prender a nossa atenção, o elenco por si só é um deslumbre à parte. Cada performance agrega veracidade e carisma aos seus personagens e suas camadas. Gabriel Knox, por exemplo, se entrega com tanto gosto ao papel de um menino repleto de sonhos, que é impossível de tirar o olho da tela, mas é Adanilo Reis que rouba a cena com sua profunda atuação de um jovem viciado, perdido dentro de seu descontrole emocional e que entra em conflito consigo mesmo e sua origem indígena.

É fácil estabelecer conexão com essas pessoas e sentir suas dores e angústias de viver em um lado do país pouco assistido, mas Sérgio de Carvalho não busca vitimizar a região, muito pelo contrário, a existência do longa em si prova sua vital importância. Chico Díaz vive uma espécie de mentor anticrime, que luta como pode para resgatar jovens de um destino trágico, mas que sabe que o desenvolvimento do país trouxe para o norte um conflito armado ainda mais acentuado no período em que a extrema-direita chegou ao poder. Ou seja, Noites Alienígenas é mais um bom filme que nasce de uma época caótica e que expõe – sem medo algum – os perigos do bolsonarismo desenfreado.

Além disso, Noites Alienígenas é uma conquista técnica impressionante para o seu orçamento limitado. A equipe de produção foi capaz de retratar habilmente a vida nas margens da sociedade com uma autenticidade crua e realista. A fotografia noturna e escura enfatiza a dureza da realidade enfrentada pelos personagens, enquanto a trilha sonora expressiva adiciona uma dimensão emocional que amplia a experiência do espectador.

Já a direção de arte, é notável sua atenção aos detalhes. Mesmo que simples e usual, retrata as ruas e casas da periferia de maneira fiel e bastante autêntica. A edição também é habilidosa, com cortes rápidos e impactantes que intensificam a tensão do enredo. É um feito e tanto quando uma equipe de produção é capaz de criar um filme tecnicamente excelente, que também é um retrato poderoso da vida na periferia e suas alegrias e tristezas.

Veredito

Assim sendo, Noites Alienígenas nos abduz para um universo ainda pouco explorado nas telas de cinema e se mostra uma obra cinematográfica notável, que não apenas expõe uma Amazônia urbana pouco assistida, mas também capta a essência da luta da ancestralidade dos povos tradicionais contra as forças violentas da modernidade, acentuadas por governos autoritários e genocidas.

Com sua narrativa envolvente, o longa cria um verdadeiro conto contemporâneo carregado de emoção, conflitos pessoais e que transpira Brasil em cada um de seus personagens. No geral, é uma contribuição bastante valiosa para o cinema nacional e uma homenagem às pessoas e comunidades que lutam diariamente para preservar a vida na região norte.

NOTA: 9/10

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