Crítica | Coração de Neon – Filme curitibano brinca de ser o ‘Coringa’ nacional

Como todo bom cinema independente brasileiro, Coração de Neon transpira amor, em especial de seu diretor e idealizador Lucas Estevan Soares, que reconstrói memórias da infância e adolescência para trilhar seu filme alucinante e um tanto quanto original na fórmula. Ainda que repleto de conveniências, há uma forte identidade na história que fisga o espectador logo de cara, afinal, o que se passa na mente de quem tem um carro de telemensagens ao vivo? Bom, para Soares – que também estrela o projeto – há nuances que não podem ser explicadas.

A trama e o elenco

Coração de Neon, da produtora IHC, parte de um lugar bastante comum e ordinário: uma cidade pequena, repleta de pessoas que se conhecem e cercada de histórias curiosas que precisam ser contadas. A produção curitibana acompanha um pai dedicado e seu filho, donos de um carro chamativo de mensagens ao vivo que tem como razão de existência levar o amor por aí – em especial no bairro de Curitiba chamado Boqueirão. Nesse enredo profundamente emocional, Fernando é um jovem aparentemente dócil, sonhador e apaixonado pelos momentos de alegria que passa ao lado de seu pai.

Eles sonham em levar o serviço para os Estados Unidos, mas uma das mensagens que eles vão entregar, que seria um pedido de perdão, acaba em tragédia depois de uma apresentação malsucedida. A vida de Fernando muda por completo e ele acaba embarcando numa jornada alucinante de vingança com a ajuda do melhor amigo Dinho (Wawa Black).

De fato, o lado mais divertido e positivo do filme está exatamente nessa mudança a lá Coringa que acontece na vida do protagonista, na sua visão de mundo e como o seu lado mais sombrio e violento, enclausurado por tanto tempo, assume o controle de seu corpo. Para isso, Lucas Estevan Soares entrega sua alma na composição dessa dualidade e cria um personagem bastante interessante e intrigante de se acompanhar, com camadas imprevisíveis.

Quando a primeira parte da trama se esvai e a história caminha para um suspense psicológico inesperado, é aí que se torna muito mais cativante e criativa, porém, o orçamento limitado pesa na composição de algumas sequências de ação, ainda que o filme não tenha a intenção de ser maior do que pode fazer. Na realidade, boa parte do projeto até consegue contornar muito bem as insuficiências, mesmo quando o roteiro parece avançar demais em alguns pontos e desenvolver muito superficialmente outros tão legais quanto, como a história da jovem Andressa (Ana de Ferro) e seu marido machista e violento. O tema é essencial, especialmente com a alta taxa atual de feminicídio, mais um acerto do longa. Fora isso, não é dificultoso manter conexão com os personagens e seus dilemas morais, mas evidentemente dialoga melhor com a população sulista.

A narrativa tem um ritmo crescente que intriga e atiça nossa curiosidade em saber como esse colapso do personagem irá se desdobrar, ainda que funcionaria melhor se a duração fosse alguns minutos menor. O elenco faz um trabalho decente, Soares também parece se divertir na direção e usa e abusa de inventividades para enquadrar e dar um ar de anos 80 ao filme. É, sem dúvida, um diretor do novo cinema brasileiro para se ficar de olho. Em razão dessa vibe nostálgica, a fotografia – que faz um trabalho noturno excepcional – e a ótima trilha sonora se unem para criar uma atmosfera estilizada e sedutora, que mal deixam evidente as fraquezas do orçamento.

Veredito

Nas camadas internas desse thriller de vingança, com seu batmóvel iluminado, Coração de Neon é sobre as consequências de um trauma e amadurecimento pessoal. Um filme carregado de afeto – seja na trama ou na sua equipe – que por vezes transforma o amor em algo violento. Ainda que funcione melhor na mente artística de seu diretor, profundamente enamorado pelo enredo e apegado às memórias de sua própria vida, o drama tem potencial para alavancar ainda mais o cinema curitibano e suas inúmeras histórias curiosas. Resta apenas pegar carona nessa aventura criativa, que vai do romance ao Coringa do cinema nacional.

NOTA: 7/10

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