Crítica | Pinóquio – Releitura elegantemente esculpida do coração de Guillermo del Toro

Será que precisamos de mais um filme de Pinóquio? Quando se trata dessa história, há indiscutivelmente um excesso de filmes sobre o menino fantoche travesso. Só em 2022 tivemos duas produções baseadas no clássico conto italiano. Desde que a série de romances de fantasia de Carlo Collodi foi publicada em 1883, de fato, As Aventuras de Pinóquio foram adaptadas para a tela 21 vezes. É exaustivo fingir ter perda de memória para aproveitar o repetitivo cinema hollywoodiano.

Mas agora, depois de todo tipo de obra, ganhamos a versão mais bela de todas até aqui. O projeto de paixão do cineasta Guillermo del Toro, feito através da técnica de stop-motion para a Netflix, que usa o material de base apenas para tecer uma aventura sombria, emocional e fantástica dentro de um contexto sobre guerra e luto. Ou seja, sobre a questão levantada, sim, del Toro oferece algo novo dentro do mais do mesmo e brinca feito uma criança empolgada com sua mais nova obra de arte.

A trama e o elenco

A premissa parte do mesmo ponto de todas as outras: Gepetto (David Bradley) perde seu único filho de forma inesperada durante a Grande Guerra e, depois de afundar no luto e solidão de sua cidade pequena na Itália, cria um boneco de pinheiro (dublado pelo fofo Gregory Mann) para lhe fazer companhia, porém, logo o ser inanimado ganha vida, transformando tudo e todos ao seu redor devido a sua boa dose de inocência e pureza. Dentro disso, o diretor traz à vida fantoches lindos, atraentes e texturizados, cujas personalidades dinâmicas foram esculpidas em cada sulco, membro e recurso. Essa relação de pai e filho toma boa parte alegre do filme logo no começo e aprofunda o quão poderosa é a perda que se seguirá.

Entre os deslumbrantes personagens temos Wood Sprite (Tilda Swinton) – ou a própria Morte – uma criatura de aparência mítica cuja paleta de cores vibrantes e plumagem em forma de olho parecem inspiradas no folclore árabe – com o universo peculiar de del Toro. A aparência do Grilo-Falante (Ewan McGregor) também está no espectro azul, mas em um tom majestoso para combinar com seu senso de identidade inflado como um escritor viajante.

Ele é o alívio cômico e funciona em parceria com ingenuidade de Pinóquio. Tudo, claro, embalado por canções compostas por Alexandre Desplat em sequências musicais perfeitamente necessárias. Há muito mais profundidade do que a versão infantil da Disney – viciada em repetir os mesmos filmes – e esse abismo é que revigora a narrativa, até mesmo a aparência rústica do boneco funciona e assusta, assim como suas comparações com a imagem católica de Jesus Cristo.

Felizmente, esta não é de forma alguma uma versão higienizada da história e sua mensagem antifascista acaba por ser bastante oportuna e moderna. Situado predominantemente durante a década de 1930, quando o regime de Mussolini infectou os confins da Itália, vários cidadãos vivem com medo silencioso. Podesta é o executor fascista na cidade de Gepetto e dublado com uma ameaça arrepiante por Ron Perlman (Hellboy), que cria esse contraponto com a doçura e afeto do boneco sapeca.

Depois de descobrir a capacidade de Pinóquio de voltar dos mortos (em sequências belíssimas e de arrepiar), o vilão planeja alistá-lo em um acampamento de jovens fascistas (o design de produção é excelente) ao lado de seu próprio filho, cuja vida ele está disposto a sacrificar por esta guerra. Isso serve como o outro relacionamento disfuncional de pai e filho em uma história sobre luto, amor e aceitação mútua por quem somos, em vez de nos rejeitarmos pelo que não somos. Além de brilhantemente filmado em seus mínimos detalhes e texturas, del Toro controla o ritmo e dá um novo olhar para passagens clássicas do conto, como a criatura do mar e o contexto do circo.

Conclusão

Guillermo del Toro mergulha Pinóquio no seu senso artístico extraordinário e transborda capricho, emoção e originalidade de um conto já visto inúmeras vezes nas telas, mas que ainda possui afeto à passar nas mãos de um cineasta visionário.

Um raro filme infantil maduro e preenchido de sentimentos conflitantes como luto, humor e fundamentação histórica, Pinóquio é uma façanha formidável do cinema de animação stop-motion e, de longe, um dos melhores e mais comoventes filmes de 2022, escupido direto do coração enorme e criativo de del Toro. Precisamos de mais um filme do boneco de madeira? Não, pois será difícil superar este aqui.

NOTA: 10/10

Leia também: Pinóquio | Diferenças entre o livro e o novo filme da Netflix


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