Crítica | Armageddon Time – Sobra afeto e falta sensibilidade

Apesar do viés nostálgico que a cultura pop tanto gosta de explorar, marcado por tensões crescentes entre a Rússia e o Ocidente, o começo dos anos 80 foi uma época estranha e complexa de se viver. E o cineasta James Gray (Ad Astra), fruto desse período, explora a oportunidade e a experiência do imigrante nos EUA com Armageddon Time, um drama de amadurecimento discreto sobre racismo e a assustadora possibilidade do fim dos tempos propagada pelo então presidente Ronald Reagan.

Mas o que Gray faz, na realidade – além de mergulhar em suas lembranças intensas da infância no Queens – é um lento e longo olhar sobre a segregação racial através do ponto de vista do menino Paul Graff (Banks Repeta) e, como tal, narra seu conto sobre preconceitos pela voz da branquidade, suavizada pela inocência de uma criança que está sendo levada a ser intolerante, mesmo contra sua vontade. Mas o que sobra de afetuoso nas relações pessoais das personagens, falta de sensibilidade do roteiro em lidar com um tema tão importante e repleto de nuances.

A trama e o elenco

Paul – sendo um autorretrato que Gray faz de si mesmo – é doce, mas arrogante. Tem moral, mas se mostra covarde. Um personagem muito bem construído e com camadas imprevisíveis ao espectador. É raro ver isso em uma criança que sustenta a trama, especialmente competindo atenção com performances de Anne Hathaway e Jeremy Strong. Armageddon Time é um trabalho pessoal e, como de costume desse tipo de obra, não se conecta com todos. Nesse caso, não se conecta nem mesmo com a comunidade negra, já que é um filme sobre racismo feito para brancos refletir sobre suas ações, na mesma escala do vencedor do Oscar Green Book.

O menino – de família judia – é corajoso na verdade que acredita e sabe que o preconceito pela cor apenas corrói a humanidade. Ele gosta de sua escola pública, mas se ver preso dentro das rédeas americanas após ser pego fumando maconha com seu amigo negro. E para Johnny (Jaylin Webb), que sonha em ser astronauta da NASA, nenhum lugar é fácil sendo ele um menino pobre, preto e sem acesso ao privilegio branco de Nova York. Na superfície, o filme desenvolve o clima da época e a atmosfera de guerra e corrida espacial, mas nas entranhas, o texto parece desesperado por se provar antirracista. Há muitos comentários sociais para a pouca maestria do diretor em saber sustentar a proposta.

Paralelo ao drama racial, há uma relação doce e gentil entre o protagonista e seu avô, vivido pelo talentoso Anthony Hopkins, infelizmente um pouco debilitado pela idade. Como o personagem de Hopkins é o juízo do menino, um alicerce para ele, e o único personagem no filme que verbaliza o quão terrível é ver a opressão e não fazer nada, o peso da redenção foi colocado todo sobre os ombros do astro, que já não entrega tanto assim quanto antes. De qualquer forma, a relação da dupla tem química e consegue alguns monólogos e discursos maravilhosos, dando uma pausa tanto para Paul quanto para o público enquanto refletimos sobre o que nos torna uma pessoa boa.

De maneira bem-vinda – especialmente nos dias de hoje – um dos principais temas do filme é o perigo de a história se repetir. E o avô, judeu e refugiado nos EUA após a Grande Guerra, sabe que a violência e o genocídio começam com os gestos mais simples, vindo de onde menos se espera. O enredo nos dá diversos temas e não os conclui, como a relação tóxica do menino com seu pai e o esgotamento psicológico da mãe. A violência é silenciosa demais, enquanto pensa estar fazendo grande barulho.

A direção

Quando Armageddon Time termina, você se pergunta “afinal, qual é a mensagem disso aqui?”, e muito disso se deve a forma como o roteiro de Gray e sua condução lenta divagam ao longo da história. Mas, na verdade, talvez não haja uma mensagem em si, apenas recortes frustrantes de assuntos mal desenvolvidos pela direção. Faltam soluções e a conclusão amarga para Johnny parece apenas reforçar que este filme o usa, mas não é sobre sua dor ou sua luta.

Johnny, na realidade, é apenas mais um degrau para Paul (e Gray) subir e ser “alguém melhor”. Mesmo que lindamente filmado, com uma paleta granulada de cinzas e marrons, no fim, soa como uma pintura perdida no tempo, como se Gray apenas visitasse o passado, mas com medo de enfrentá-lo de fato. O filme é um vislumbre interessante de um momento muito específico, mas não foi feito para os dias de hoje.

Conclusão

Com isso, ainda que Armageddon Time lance um olhar sincero sobre a infância e a segregação racial de uma época conturbada da história, a obra de James Gray se perde no tempo, nas lembranças pessoais de uma vivência branca, e não tira nenhuma conclusão disso. Um filme de amadurecimento ambientado contra as crescentes tensões da guerra nuclear, mas que nunca detona de fato.

Performances excepcionais de Jeremy Strong e Anthony Hopkins dominam o filme e ofuscam os assuntos mais importantes, fruto do desequilíbrio da direção. Há comentários sociais relevantes, mas são em grande parte frustrados. Em vez disso, Armageddon Time não chega a lugar algum e passa a jornada apenas admirando a paisagem de época. Forte aposta para o Oscar 2023 que, infelizmente, não oferece qualquer tipo de conclusão satisfatória ou adiciona algo de novo à incansável luta contra o racismo.

NOTA: 5/10

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