Novos tempos necessitam novas narrativas. Enquanto o primeiro filme foi uma atualização inteligente e essencial, feita de forma natural e sem deixar a essência do sofisticado humor inglês de lado, Enola Holmes 2 já chega em desvantagem, uma vez que não há mais o fator “novidade” em jogo. Feminista em sua essência, a agora franquia da Netflix tem como objetivo claro ultrapassar rótulos e se conectar com o público jovem de hoje, tudo isso sem que seja um maçante manifesto político, mas sim uma reparação histórica de tramas grandiosas, porém, majoritariamente masculinas.
E nesse quesito, tem funcionado bastante ao ser uma doce releitura do clássico cânone de Sherlock Holmes, com Millie Bobby Brown apresentando uma performance carismática que cativa nossa atenção do começo ao fim. Essa energia vibrante, no entanto, está faltando na sequência, que mantém muitas das armadilhas do primeiro filme, mas está mais preocupada em estabelecer as bases para uma franquia do que em criar um mistério coerente e divertido.
A trama e o elenco
A sequência mais uma vez traz Brown como Enola, irmã mais nova do lendário Sherlock (novamente vivido por Henry Cavill), agora proprietária de sua própria agência de detetives depois do sucesso do filme anterior. Sendo a Inglaterra vitoriana misógina, ela é rapidamente dispensada por clientes que preferem trabalhar com seu irmão mais famoso. Mas quando uma jovem menina aparece para pedir ajuda para encontrar sua irmã mais velha adotiva, Enola Holmes olha para a câmera para nos informar que está de volta ao jogo de gato e rato misterioso.
A história que se segue à partir daí apresenta muitos mistérios simultâneos, temas do feminismo, uma revolta da classe trabalhadora, uma história de amor e várias adições do cânone de Holmes – como nomes conhecidos dos livros. Em um pouco mais de duas horas, todos esses tópicos da trama deixam a sequência sobrecarregada, com o trabalho de detetive muitas vezes sendo resolvido através de saltos improváveis na lógica e nas sequências de ação. Tem a aparência de uma história tradicional de Sherlock, mas pouco da substância.
Falando de Sherlock, ele assume um papel mais periférico desta vez, onde interpreta um irmão mais velho de apoio, mas pouco utilizado, de Enola. E Cavill, longe de ser um ator de grandes performances, empresta um tom mais sério, mais sexy e mais caladão ao detetive. O roteiro deixa claro que ele não passa de uma mera distração para a história de Enola e, de certa forma, é assim mesmo que tem que ser. Assim como no original, os momentos mais fortes da continuação vêm quando a trama se concentra nas façanhas da heroína titular.
E para nossa alegria, a menina Millie Bobby Brown (Stranger Things) parece ter se encontrado na personagem e mantém o carisma contagiante de Enola, frequentemente abordando a câmera com comentários espirituosos sobre sua situação e sobre os mistérios do filme. O senso de humor segue impecável, graças, é claro, à essa quebra da 4ª parede que tanto diverte e funciona. Enola é especialmente divertida quando se une à mãe – a sufragista Eudoria Holmes (Helena Bonham Carter rouba a cena) – que merece muito mais tempo de tela do que infelizmente possui.
O antigo interesse amoroso de Enola, Lord Tewkesbury (Louis Partridge), também retorna – ainda que sem grande necessidade. O filme apenas o usa como um veículo para trocar papéis de gênero típicos de filmes, com Tewkesbury ensinando Enola a dançar e chamar a atenção em um baile, e Enola devolvendo o favor ensinando Tewkesbury a lutar. É interessante como esses detalhes deixam o enredo mais rico e mais imerso na proposta de tornar a franquia uma forte aliada dos movimentos sociais que questionam a igualdade de gênero nas histórias clássicas.
A direção
Harry Bradbeer é um dos retornos bem-vindos do filme original. Aqui, talvez com mais confiança do projeto que tem em mãos, cria novas cenas de ação e sequências agitadas, mas também se mostra competente no drama e na simplicidade das relações. Ainda que seja um homem, seu olhar feminista é aguçado e o retrato da época provoca boas reflexões no público, mesmo que a grande quantidade de subtramas prejudique parte do seu comentário social. O roteiro é um pouco óbvio e há bem menos surpresas do que antes, mas a aventura se mantém no topo. E por conta dos vários novos personagens introduzidos no ato final, é possível que essa história ainda esteja longe de acabar.
Conclusão
Conduzido pela energia incontestável de Millie Bobby Brown, Enola Holmes 2 mantém o ritmo e qualidade visual em uma sequência divertida, com forte consciência social e um elenco cheio de mulheres inteligentes e carismáticas, ainda que, por vezes, tenha menos brilho e menos surpresas que o primeiro filme. Ainda assim, seu charme é o suficiente para envolver o público mais uma vez em mistérios deliciosamente sedutores.
Apesar dos esforços da direção, Enola Holmes 2 não consegue recapturar a originalidade do anterior e se preocupa demais em criar bases para mais uma sequência. Uma história tradicional de Sherlock com um toque feminista essencial, mas pouco da substância dos clássicos. Longe de ser ruim ou falho, mas infelizmente desgastado pela repetição da fórmula. De qualquer forma, para alegria dos fãs da menina que quebra a 4ª parede, a Netflix é ambiciosa e vem mais por aí, e nem é preciso der um Sherlock para desvendar isso.
NOTA: 7/10
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