Crítica | Mais Que Amigos – Hilário, tocante e comovente para todas as pessoas

Nada parece revolucionário enquanto está acontecendo, mas isso não quer dizer que não seja. Com o cinema sendo uma gigante indústria artística que visa, acima de tudo, lucrar com repetidas histórias que já funcionam com o público, por vezes esse universo sai da curva e nos presenteia com algo inovador, diferente e até mesmo ousado, ainda que seja triste ser “ousado” ao lidar com narrativas LGBTQIA+ em pleno 2022. Mas Ok, a revolução precisa começar em algum lugar e talvez estejamos diante de mais um tijolo jogado contra o preconceito, contra o imutável cinema cis-hetero-branco através de Mais Que Amigos (Bros).

O projeto da Universal Pictures se prova inteligentíssimo e consciente na sua promessa de ser “progressista”, embora, enganosamente, tenha sido apontado como a “primeira comédia romântica gay já lançada por um grande estúdio” – ignorando as joias Alguém Avisa?, com Kristen Stewart, e o drama adolescente, Com Amor, Simon. Ainda assim, claro, é a primeira rom-com adulta a obter um amplo lançamento nos cinemas.

É também o primeiro grande filme de estúdio com um elenco principal totalmente LGBTQIA+ e a primeira vez que um homem abertamente gay, Billy Eichner, estrelou e escreveu seu próprio filme de estúdio direto para as telonas. Ou seja, tem muita coisa transformadora acontecendo ao mesmo tempo neste filme e outras estreias mais “normativas” podem ofuscar esse importante lançamento, especialmente entre o público que torce o nariz para inclusão. Mas seu carisma deve sobrepor todas essas barreiras.

A trama e o elenco

Como diz o protagonista, “prefiro ser clichê do que ser infeliz” e isso revela muito sobre a qualidade do texto e a autorreflexão que o roteiro faz não apenas sobre a comunidade gay, como também sobre como a homossexualidade é abordada nos cinemas. Ainda que possua todos os tropos (como correr na rua para encontrar seu amado e uma a montagem natalina romântica), que já vimos no gênero desde o começo dos tempos, o roteiro inteligente sabe que o plano aqui é mesmo brincar com esses clichês e mudar o rosto de quem normalmente está no centro. Ao tirar Julia Roberts e George Clooney, por exemplo, agora temos uma história com dois homens que se apaixonam um pelo outro apesar de todas as divergências.

O filme segue Bobby (Eichner), um escritor de 40 anos, apresentador de podcast e curador de um museu LGBTQIA+ que já desistiu do amor após tantas tentativas frustradas de se envolver com alguém. Em vez disso, ele preenche sua vida com conexões decepcionantes do Grindr e uma determinação otimista em deixa sua marca como uma pessoa queer em um mundo de heteronormatividade opressora.

Sua renúncia anti-romântica é interrompida em uma festa de lançamento de um novo aplicativo de namoro para “gays que querem falar sobre atrizes” (é sério!), quando ele chama a atenção do advogado Aaron (vivido pelo atraente Luke Macfarlane). Assim como Bobby, Aaron também jurou não ter relacionamentos, embora o casal se encontre em um namoro estranho, que envolve sexo à três e encontros constrangedores. Através disso, o espertinho certinho se apaixona pelo grosseiro e ambos vivem uma relação absolutamente transformadora e repleta de afeto que penetra fundo nosso coração.

Apesar da clara reverência pelo gênero, Eichner e o co-roteirista Nicholas Stoller, que também atua como diretor, apontam ansiosamente para sua incompatibilidade com as realidades da vida gay moderna. Bobby vive uma vida de militância, pois tem consciência da luta que veio antes dele, para que ele possa ter a liberdade que possui hoje, mas o mundo gay é diversificado e nem todos estão preocupados em deixar sua marca, como acontece com Aaron, musculoso e sexy, mas que passa por uma jornada fantástica sobre derrubar os muros machistas que o fez ser “machão”.

Na verdade, o filme possui camadas muito mais densas por trás de seu roteiro simples e inclui as questões queer interessantes. Juntando-se a uma narrativa metalinguística abrangente sobre a mercantilização da cultura LGBTQIA+. Há também comentários sobre a homofobia internalizada, os perigos de homogeneizar grupos minoritários, a importância da representação e até o debate acalorado sobre atores heterossexuais interpretando personagens gays nas telas – alfinetando que o Oscar “gosta de ver gay sofrer”. Porém, tudo feito com muito senso de humor, perspicácia e carinho para soar compreensível para todos os tipos de público. Fora, é claro, a química e a naturalidade de Billy Eichner e Luke Macfarlane, extremamente confortáveis em seus papéis. É sexy de uma maneira deliciosamente excitante.

Ainda que clichê e previsível, entre uma cena e outra de romance, a obra sabe de sua importância e parece ter a total liberdade de questionar até mesmo sua existência, assim como aproveita para fazer um breve, porém emocional, recorte das lutas que a comunidade viveu até aqui, como a crise da AIDS, a masculinidade tóxica e os padrões corporais obsessivos. Enquanto sua estrutura narrativa agrada os familiarizados com a heteronormatividade do gênero, as piadas e as mensagens ocultas são um prato cheio para o público queer rir e refletir sobre si mesmo. No entanto, o elenco de apoio acaba por ser totalmente LGBTQIA+ subutilizado. Este ainda é, ostensivamente, outro filme sobre gays brancos cis.

Conclusão

Mesmo seguindo a fórmula clássica do gênero, Mais Que Amigos revoluciona as comédias românticas ao fugir do padrão e encanta pela sua honestidade e senso de humor inteligente, capaz de arrancar lágrimas e risos do público sem grande esforço e muito menos sem vitimizar seus personagens. O roteiro ágil e ácido narra uma história de amor sincera sobre derrubar as barreiras impostas pelo mundo heteronormativo e buscar a felicidade sendo quem você é.

Mas é claro que ser parte da mudança não é nada fácil e obviamente o filme deve encontrar o nariz torto do público mais conservador, porém, felizmente, Mais Que Amigos é tão incrivelmente engraçado, nitidamente observador e ironicamente autoconsciente que pode mais do que suportar o peso esmagador do preconceito. Essa captura da vida gay contemporânea é genuinamente hilária, respeitosa e feita para todas as pessoas, independente de sua orientação sexual. Representatividade importa e este filme é a prova mais doce e afiada disso. A melhor comédia romântica do ano que, por acaso, é queer.

NOTA: 9/10

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