Crítica | Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore é o melhor capítulo da saga até agora

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Desde que a franquia derivada do fenômeno mundial Harry Potter havia sido anunciada – e que contaria com 5 filmes dentro desse universo expandido do Mundo Bruxo nos cinemas – a Warner Bros. não teve um minuto de paz, afinal, uma tonelada de problemas nos bastidores, mudanças de planos e reformulação de elenco fizeram com que, com apenas dois filmes já lançados, a grande promessa de aventura morresse antes mesmo que alcançar seu ápice agora em Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore – o terceiro filme e que chega com ares de encerramento precoce.

Ainda que conte com premissas divertidas e feitas para fisgar um novo público jovem, convenhamos que Animais Fantásticos só se sustenta mesmo pelas referências, easter eggs e ligações que faz com Potter – sendo a grande maioria delas retcons feitos pela autora J.K. Rowling para dar mais substância ao passado de personagens e ao mundo da magia em si – como colocar mais água no feijão para fazer render. Não é que muito do que vemos nunca tenha sido mencionado antes nos livros, mas há novidades claramente não planejadas. Algumas funcionam, já outras nem tanto assim. Entres as boas escolhas, mostrar o turbulento e enigmático passado de Alvo Dumbledore sem dúvida está no topo delas. E, por conta disso, esse novo capítulo se torna infinitamente mais atrativo que os demais.  

A trama e o elenco

É importante ter em mente que nas histórias do passado do mundo da magia e de Hogwarts, houve uma batalha entre as forças do bem e do mal por conta da ligação entre trouxas e bruxos. De um lado, quem defendia o amor livre entre ambos, do outro, aquele que ressaltava que os humanos iriam destruir o mundo com sua ambição e cobiça pelo poder, provocando guerras mundiais e, cedo ou tarde, exterminando a magia. Esse pano de fundo serve de base para todo o universo de Harry Potter, seja nas Relíquias da Morte ou mesmo na forma como bruxos que não são de puro-sangue (como Hermione) são tratados, até mesmo nas ideologias de Voldemort. Esse capítulo sombrio do passado é o que alimenta o enredo orgânico de Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore e estabelece caminho para o desfecho próximo.

Dentro desse mundo fantástico e rico em detalhes que Rowling – apesar de ser essa pessoa intolerante que é hoje – criou com maestria, tudo o que sabemos sobre o passado do bruxo mais estiloso de todos ou vem de livros de fofoca (Rita Skeeter escreveu um deles!) ou de alguns posts da autora na internet, como por exemplo, sobre a ligação amorosa do diretor de Hogwarts com seu amigo – e bruxo das trevas – Gerardo Grindelwald.

Esse chamariz funciona e, apesar da franquia aparentemente ser sobre Newt e seus seres mágicos e onde habitam, parece que cada vez mais se distancia desse plot e mergulha na tão comentada batalha histórica entre os dois bruxos amantes. Uma mudança de rota que, de forma assertiva, insere fôlego à trama que já havia perdido sua energia vital após o fraco Os Crimes de Grindelwald.

Ainda assim, mesmo com um tom diferente dos dois primeiros, o roteiro de Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore é amarradinho e encontra boas soluções para emendar o mundo pacato de Newt Scamander com a narrativa política que habita esse período, afinal, assim como Voldemort faz no futuro, Grindelwald também é um homem adorado por muitos, cujas ideias sombrias visam privilegiar um mundo digno apenas para bruxos de sangue-puro. Nessa configuração, os trouxas – pessoas normais que não possuem magia – são condenadas à morte por colocar o destino do planeta em risco. Uma batalha que se assemelha e muito com o passado do “mundo real” e o surgimento de líderes genocidas como Hitler, entre outros. “Tempos perigosos favorecem homens perigosos”. Rowling sempre foi boa em conectar o real com o imaginário e nos fazer refletir sobre segregação de raças e luta de classes.

Ou seja, esse terceiro capítulo é bem mais político e sombrio em relação aos outros, parte pela presença de uma acirrada eleição para colocar um novo bruxo (ou bruxa) no poder mundial, parte pela presença ilustre de Mads Mikkelsen no papel do vilão, provando que a melhor decisão do estúdio foi retirar o caricato Johnny Depp da franquia. Mikkelsen passa uma tonalidade obscura com seu charme e carisma e entrega um Grindelwald mais humano, assustador e perigoso, a versão definitiva de um personagem já vivido por diversos atores e que nunca encontrou seu tom ideal.

Na contrapartida, Jude Law entrega mais uma vez – e agora bem mais que antes, afinal, é o grande protagonista dessa história toda – a doçura e o ar maquiavélico de Dumbledore. Nada funciona melhor do que a química dessa dupla em cena. Aliás, a paixão de ambos e a relação amorosa que tiveram é tratada de forma explicitamente aberta. Dumbledore ser gay nunca havia sido verbalizado antes nos cinemas e aqui temos esse “segredo” exposto finalmente de maneira destemida. Com suas incoerências e transfobia na vida real, ao menos nas telas Rowling é vencida pelo bom-senso. Aliás, esse amor entre os dois opostos tem momentos inesperados de ternura, até mesmo a trilha muda quando eles estão conectados.

De certa forma, o elenco – mais maduro que o de Harry Potter – permite atingir caminhos mais interessantes e ousados. Todos estão bem em seus papeis, ainda que Eddie Redmayne seja um ator com limitações e Newt tenha menos destaque que antes, algo que permite abrir espaço para que o Jacob de Dan Fogler possa brilhar e roubar a cena, assim como a maravilhosa Jessica Williams, perfeita adição ao grupo.

Alison Sudol segue intensa e Ezra Miller entra mudo e sai calado. Aurélio tem uma participação menor, mas que “desfaz” parte da revelação bombástica sobre sua origem no capítulo anterior. Agora, para os brasileiros, a emoção está mesmo em ver Vicência Santos de Maria Fernanda Cândido reinar. Mas não se iluda, a atriz tem meia dúzia de falas e o Brasil – dito como palco dessa aventura – só aparece em apenas um plano de menos de 10 segundos.

Com o desenrolar da trama, a missão desse enorme grupo envolve confundir a cabeça do vilão e, sob ordens de Dumbledore, essa armada se divide para missões separadas. Algumas subtramas são apressadas, outras mal desenvolvidas, mas esse é o primeiro filme da Saga com um senso evidente de começo, meio e fim. Algumas criaturas – que título ao filme – fazem sentido para a história, como o nascimento de um animal mágico que vê pureza no coração das pessoas e que deve ser utilizado para escolher o novo líder mundial dos bruxos. Outras, no entanto, servem apenas para preencher lacunas e entregar cenas de ação.

A direção

Os efeitos especiais, por sua vez, seguem ótimos, especialmente nas cenas de batalhas com varinhas. É interessante ver como a identidade visual de elementos criados em HP é mantida e provocam inevitavelmente nostalgia, seja em rever as salas icônicas de Hogwarts ou mesmo no duelo de feitiços. Até mesmo a trilha está mais aguçada, intensa e épica – ainda que repetitiva. Toda vez que algo do Harry Potter aparece na tela, toca “Hedwig’s Theme” caso o espectador tenha se esquecido o que está assistindo.

Esse já é o sétimo filme de David Yates nesse universo e o diretor realmente sabe dosar humor pastelão com os encantos do mundo bruxo e manter uma certa coerência entre as duas sagas. Dessa vez, ancorado no ritmo acelerado de Relíquias da Morte e na atmosfera obscura crescente da luta entre o bem e o mal, sua condução é animada, ágil e dá mais destaque para missão central do que ao grupo em si. Isso empolga, apesar de ser mais confuso que os anteriores.

As sequências de ação são furiosas e o diretor entrega cenas de duelos muito bem realizadas, assim como pausas dramáticas e alguns momentos singelos de emoção que vão atingir em cheio o coração dos fãs mais apaixonados.

Conclusão

Através dessas escolhas assertivas, Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore abraça as singularidades do Mundo Bruxo e desenvolve uma trama orgânica, política e sombria, que dá fôlego à franquia e constrói o surpreendente melhor capítulo da saga até agora. Uma aventura divertida, emocionante e que chega mais próximo de capturar as maravilhas e a magia única dos filmes de Harry Potter. Com ressalvas.

No entanto, ainda há problemas na construção da história e na sintonia entre os três capítulos. Newt e seus animais mágicos estão cada vez menos essenciais e a mudança de rota parece estabelecer terreno para a despedida precoce da franquia depois de tantos altos e baixos. Com a saída do caricato Depp, Mads Mikkelsen assume o papel de vilão e entrega a elegância e psicopatia que tanto esperávamos para o perigoso Grindelwald. Sem contar a química deliciosa entre ele e Jude Law, que vai da ternura às lágrimas com facilidade, afinal, não é segredo nenhum que o coração de Dumbledore está partido.

Foi preciso dois filmes para que Animais Fantásticos finalmente encontrasse seu tom, sua conexão com os fãs e estabelecesse uma narrativa com começo, meio e fim. Talvez seja tarde demais? Sim. Será que ainda há energia para mais dois filmes? Talvez. Mas uma coisa é certa, retornar à Hogwarts ainda não havia sido tão divertido quanto agora. Ao prometer segredos secretos e sigilosos sobre o passado, a grande revelação está mesmo no óbvio: um bom roteiro faz um bom filme.

NOTA: 8/10


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