Em 1997, o cinema italiano presenteou o mundo com um drama que transborda sensibilidade e afeto. A Vida É Bela transportava o espectador para um olhar atento ao passado através da perspectiva de uma criança no meio da sangrenta guerra (nada mais atual, não é mesmo?). Agora, em 2022, quase na mesma proporção, temos o doce e carinhoso Belfast, drama em preto e branco favorito no Oscar 2022 e que chega ao Brasil pela Universal Pictures.
Porém, é fato que a produção semi-autobiográfica do diretor Kenneth Branagh sobre crescer em sua cidade natal, Belfast, em 1969, canaliza essas memórias mais íntimas, mas também preenche o preguiçoso check-list de tudo que um filme de Oscar precisa ter para levar algumas estatuetas para casa. E, partindo da filmografia recente do cineasta, não é difícil imaginar que seguir pelo caminho mais fácil é sua zona de conforto. Enquanto manipula para emocionar a qualquer custo, Belfast luta contra o tempo para manter o público envolvido.
A trama e o elenco
Ritmo cansativo e roteiro verborrágico à parte, é inegável que Belfast também mostra um significativo avanço na carreira do diretor e sim, podemos considerar seu momento mais próximo ao cume do que jamais esteve. O drama celebra uma visão bastante inocente de uma criança que cresceu no meio das revoluções da década de 60 e presta um olhar crítico revigorante sobre a essência da família e do senso de comunidade. Não é difícil se envolver com a jornada, ainda que nos perca aqui e ali em diversos momentos, mesmo que tenha a boa e velha mensagem sobre o que faz a vida valer a pena ser vivida.
Branagh captura a sensação de pureza do filme através dos olhos de Buddy (interpretado pelo carismático e mega talentoso Jude Hill), um garoto adorável com cabelos loiros e olhos curiosos para o mundo ao seu redor. Na ótima abertura do filme, o menino leva em sua família amorosa, a proteção estendida de brincar nas ruas sob o olhar atento do vizinho. Sem falar no mundo sóbrio da intolerância, um dos temas mais fortes e que está presente por toda a narrativa. O jovem cresce no meio de uma verdadeira guerra de valores que durou décadas, quando nacionalistas (irlandeses ou católicos romanos) e sindicalistas (protestantes) chegaram a confrontos violentos nos bairros da cidade que dá título ao filme.
As atuações são abundantes. Outro ponto alto da trama está na excelente construção da química e da doçura entre as personagens, especialmente da fantástica atriz Caitriona Balfe (Outlander) com o menino Hill. Há uma sensação real de família e relacionamentos autênticos, algo bastante raro de se alcançar e que isso, por si só, já ajuda na imersão sentimental, uma vez que nos importamos com os personagens e seus destinos.
O pai de Buddy – vivido surpreendentemente bem pelo astro de Cinquenta Tons de Cinza, Jamie Dornan – é o “homem da casa”, responsável por colocar os valores corretos na família, ainda que seus avós (Judi Dench e Ciarán Hinds) fazem o elo entre legado e respeito ao sedimentar a base para que aquele grupo de pessoas possa superar as adversidades.
A direção
Esse dilema entre ir embora para sobreviver ou ficar e se manter no conforto de uma comunidade que cresce em sintonia é um bom exemplo de como Branagh é bom em desenvolver conflitos em suas obras. Mesmo após quase duas décadas de deslizes catastróficos – que incluem aberrações cinematográficas como Artemis Fowl e Morte no Nilo – o cineasta abaixa a guarda de fazer algo ambicioso, mantém seu ego nas alturas e entrega o simples, previsível e que curiosamente funciona melhor do que tudo que já fez.
No centro do filme está como a inocência, a família e a opressão se cruzam enquanto preenchemos essas rachaduras com aqueles momentos que deixamos passar despercebidos por olhos adultos. São esses detalhes simples que lembraremos um dia.
O roteiro, ainda que tenha inúmeros problemas de coesão, cria um retrato verdadeiramente honesto de uma família que se ama, mas que vive em crise constante. E dessa sinceridade flui o coração do diretor em fazer algo que seja pessoal e, ao mesmo tempo, comercial para encher os olhos da Academia. E parece que deu certo, afinal, fotografia em preto e branco (que, aliás, dá ao filme uma atmosfera de época deslumbrante) sempre arranca sorrisos de cinéfilos.
Conclusão
Não dá para negar a potência narrativa, o lindo uso das cores e como preenche com maestria a cartilha de favoritismo do Oscar. De fato, Belfast é um caçador nato de prêmios, mas não deixa de ser um bom filme nas horas vagas, uma vez que sabe combinar – com habilidade – o senso de humor do amadurecimento com um drama sóbrio e honesto sobre a inocência de uma criança no meio de um conflito maior que si mesma. No entanto, apesar dos esforços da direção, passa longe de ultrapassar a barreira que o eternizaria na história do cinema.
Talvez a escolha mais previsível seja mesmo o caminho mais fácil dentro de uma premiação confortável em celebrar o óbvio. Ainda assim, fora dos muros mofados de Belfast habitam outras produções infinitamente mais merecedoras, menos superficiais e ingênuas, e que merecem sua devoção.
NOTA: 7/10
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