Crítica | Licorice Pizza – O sabor agridoce do primeiro amor

Se tem um gênero que vive preso numa maré de repetições, sem dúvida é a comédia romântica e seus derivados. Com a sensação de que tudo já foi feito e extraído, é realmente frustrante esperar por alguma novidade que seja. Mas eis que chega Paul Thomas Anderson com seu agridoce Licorice Pizza e nos mostra que ainda existem formas criativas, divertidas e honestas de lidar com o amor no cinema. E essa obra – indicada ao Oscar esse ano – sem dúvida utiliza os ingredientes frescos para entregar algo imensamente bem realizado.

A aula de cinematografia do diretor vai muito além de planos elaborados e uma narrativa por vezes densa, por vezes natural, uma vez que o empenho do roteiro em desenvolver personagens humanos, profundos e repletos de conflitos internos ultrapassa qualquer barreira que o gênero possa delimitar e atinge certeiro o coração do público, especialmente por ter no centro dos holofotes a descoberta do primeiro amor e as armadilhas ardilosas de se apaixonar durante o processo de amadurecimento. Como um bom coming of age, a história envolve, emociona e nos transporta para uma aventura jovem divertida nos anos 70, através do olhar aguçado de um cineasta que sabe o que está fazendo.

A trama e o elenco

Antes de mais nada, é importante destacar como Alana Haim – em seu primeiro grande trabalho no cinema – toma o filme para si e rouba a cena, provando um talento imenso e uma naturalidade rara nesse tipo de obra. Toda sua família real está presente e vive sua família na ficção, algo que certamente deve ter colocado uma pressão na atriz para ter um desempenho estupendo e, como podemos ver, deu certo.

Mas não é apenas a atriz que funciona, já que seu par romântico, vivido pelo ator Cooper Hoffman (filho do falecido Philip Seymour Hoffman), também é um deleite aos olhos com uma performance totalmente honesta, cômica e natural. Ou seja, quando o casal funciona, a química flui que é uma beleza e a história não demora muito para fisgar.

A diferença de idade entre os dois e os conflitos de gerações são, sem dúvida, a cerejinha desse bolo, que agrega ao romance muito mais sabor do que apenas replicar clichês, afinal, repleto de referências ao clássico Loucuras de Verão (1973) e com a energia de obras como La La Land, quando o confiante, otimista e presunçoso Gary Valentine conhece Alana Kane durante uma sessão de fotos na escola e se apaixona perdidamente por ela, seu mundo teen passa a habitar a terrível e amarga zona do coração partido. Mas esse crush os levará a aventuras hilárias pelo Vale de San Fernando durante os calorosos e inesquecíveis anos 70. E a trama – ainda que simples e direta – não se limita apenas aos estereótipos e tropos do gênero, muito pelo contrário, brinca com as sensações, explora seus personagens e acrescenta subtramas interessantes para contextualizar os dilemas da época.

De fato, muitos personagens são apresentados e grande parte do elenco faz apenas uma pequena ponta na história, sem que tenha alguma influência na jornada do casal protagonista, como é o caso de Bradley Cooper (O Beco do Pesadelo), que entrega momentos hilários e divertidamente exagerados, mas que não ganha o destaque que merece ao dar vida à personalidade Jon Peters, namorado de Barbra Streisand e produtor de Nasce Uma Estrela (1976).

Sean Penn e Maya Rudolph por sinal, servem apenas como chamariz para o trailer e nada mais. Apesar disso, mesmo com o excesso de coadjuvantes inúteis para a trama, quando o foco centraliza na dupla e na dinâmica cômica e doce entre suas diferenças, a narrativa ganha tons nostálgicos, rodeados por uma trilha sonora marcante – daí o título do filme – e o carisma sem igual do casal.

A direção

Livre das amarras de obras densas e magníficas por suas complexidades, Paul Thomas Anderson (Trama Fantasma, Magnólia, Sangue Negro) prova que também sabe fazer uma dramédia romântica de qualidade e entrega sua obra mais mundana, mais simples e pé no chão da carreira. Isso nos mostra que qualidade narrativa e um diretor visionário ainda podem extrair notas singulares de um gênero já vencido pela exaustão.

Na periferia do roteiro inteligentíssimo, ainda se encontra espaço para alfinetar temas atemporais como machismo, assédio e xenofobia, sem que o romance central perca algum tempo de tela.

A história, por sua vez, é solta, leve e flui com naturalidade dentro de suas possibilidades, mas há momentos que se perde em devaneios e no tom sem rumo de memórias narradas, ainda que nem mesmo com isso se torne maçante ou cansativa.

De fato, é um trabalho extremamente dedicado e visivelmente apaixonado da direção, que brinca de fazer cinema sem esforço algum, algo como se pegássemos um diretor renomado – como Denis Villeneuve – e colocássemos ele para comandar Barraca do Beijo, por exemplo. Isso, somado à direção de fotografia deslumbrante e ao show de brilhantismo da arte e figurino, que nos transporta para o passado sem errar um mínimo detalhe se quer, sem dúvida coloca essa obra na mira das mais aclamadas do ano e não é para menos.

Conclusão

Com isso, tudo na filmografia de Paul Thomas Anderson grita a mais pura arte cinematográfica e Licorice Pizza – uma comédia dramática sobre o sabor agridoce do primeiro amor – certamente é seu filme mais mundano e, ao mesmo tempo, sua obra mais doce e sincera.

Uma visão nostálgica e inesperadamente cômica de um momento que algumas pessoas nunca se lembrarão. Com diferentes ingredientes dentro de uma fórmula convencional, o cineasta replica a receita do sucesso, mas acrescenta imensa qualidade técnica e personagens carismáticos para temperar o melhor romance do ano.

Nota: 9/10

Curiosidade:

O termo “Licorice Pizza” é uma gíria para um disco de vinil, particularmente álbuns que eram conhecidos como LPs para Long Play, daí Licorice Pizza. Além disso, o disco de vinil é preto, que é a cor do alcaçuz (licorice), e a forma é plana e redonda, como uma pizza.


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