Crítica | O Beco do Pesadelo – Espetáculo visual elegante e um pesadelo no ritmo

Após fornecer mergulhos profundos por fantasias que grudam no fundo da nossa retina, Guillermo del Toro retorna aos holofotes, mas entrega sua obra mais pomposa e previsível até então em O Beco do Pesadelo (Nightmare Alley), baseado no clássico best-seller O Beco das Ilusões Perdidas (1946), do autor William Lindsay Gresham.

Sem ter a comoção de A Forma da Água, filme pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Direção, ou mesmo a sinceridade de O Labirinto do Fauno, entre tantos outros trabalhos singulares, o diretor proporciona uma trama pé no chão, distante de seus famosos monstros, que se converte em uma narrativa tão maçante e cansativa, que passa longe da qualidade de sua filmografia.

De fato, quanto maior a promessa de entregar algo extraordinário, maior a frustração. E o problema está exatamente na expectativa criada em torno dos temas que del Toro tanto gosta de abordar e na criatividade de sua identidade visual, duas características marcantes, mas que passam despercebidas dessa vez.

Se por um lado a atmosfera circense navega por mares já explorados pelo diretor, por outro, seu protagonista duvidoso acaba por ser a única grande atração genuína, uma vez que todo o roteiro se constrói em torno da previsibilidade e imerso no chamado “Arma de Chekhov”, ou seja, sem surpresas e com um desenvolvimento arrastado, a sensação é de que existem 5 filmes distintos dentro de O Beco do Pesadelo. E nenhum deles funciona muito bem.

A trama e o elenco

Durante a primeira metade da trama, a narrativa apresenta seus inúmeros personagens sem pressa alguma e estabelece o terreno em que a história irá desembocar: um circo – nos anos 1940 – formado por pessoas excluídas da sociedade. Nesse mundo, muito mais sóbrio que o universo comum de del Toro, conhecemos o protagonista Stanton Carlisle (vivido por Bradley Cooper), um carismático oportunista que esconde segredos sombrios do passado e, no circo, se prova uma peça fundamental para fazer o lugar se destacar por conta de sua inteligência e ambição. Não demora muito para percebemos que o nosso herói tem atitudes duvidosas e que ele mesmo será um obstáculo terrível em seu desenfreado caminho em busca do sucesso como um vidente charlatão.

Toda essa construção de expectativa inicial se arrasta por mais tempo que o necessário e, após a conclusão do núcleo circense – sem um desfecho adequado para tal – uma mudança de sintonia anticlimática coloca a história em novos e desesperados rumos. O segundo ato se perde em seus conflitos exagerados e reflete a falta de sintonia do longa, evidenciando que o roteiro mal escrito não sabe se deseja ser uma obra mais próxima da realidade palpável ou se há alguma fantasia por de trás das cortinas. E a atmosfera chuvosa e sombria ressalta as qualidades do cinema noir, pena que usadas apenas para criar a ambientação. O excesso de personagens e suas tramas paralelas ofuscam a interessante jornada do protagonista, imersa em cobiça e vícios, que vai de bom moço ao corrompimento total de sua alma.

Nesse aspecto, del Toro dirige Bradley Cooper com maestria e o astro de Nasce Uma Estrela possui uma performance novamente impecável, repleta de nuances e com camadas que vão além do rostinho bonito. O personagem é rico em questionamentos e resgata a essência do diretor em criar uma mixagem perfeita entre herói e vilão para conduzir suas histórias. Além do ator, Toni Collette (Hereditário) e Cate Blanchett (Carol) – duas criaturas monstruosas na atuação – roubam a cena inúmeras vezes e, como esperado, são um verdadeiro prazer aos olhos. Já Rooney Mara (Ela), contida e sem grande espaço para brilhar, se perde no meio de tanta enrolação.

A direção

Após um longuíssimo desenvolvimento e um miolo encharcado de gorduras, cenas repetitivas e pouca diversão, o desfecho de O Beco do Pesadelo se torna o grande triunfo e mostra o poder narrativo de um diretor absolutamente apaixonado por cinema e pela arte. O problema é aguentar até o final para ver o brilhantismo de Guillermo del Toro em ação e como o cineasta sabe trabalhar com suspense. Não que haja reviravoltas chocantes no roteiro ou que faça algo além do que já não estava sendo construído, mas o ritmo acelera e o filme, muito mais lento e silencioso do que se poderia esperar, ganha força e encerra com um belo “Oscar tape” para Cooper – que passa grande parte do filme apenas acendendo cigarros (é sério, isso acontece bastante!).

É importante destacar também que o livro de Gresham havia sido lançado em um contexto pós-segunda guerra e explora muito bem os aspectos sombrios do homem da época – como os monstros são, na realidade, pessoas normais e não as que possuem alguma morbidade e são vendidas como atrações de circo, os chamados “freaks” ou “geeks”.

Nessa história de ambição, os grandes vilões são os vícios, as mentiras e o que acontece se a linha entre o aceitável e o inaceitável for corrompida. O design de produção estonteante e a fotografia obscura compõem juntas os cenários inflamáveis e a sensação de perigo constante da época, como se nenhum lugar fosse isento de violência. Nesse quesito, a ambientação fantasmagórica do diretor mostra suas garras, mas escondida embaixo de toneladas de uma elegância superficial e feita sob medida para as premiações. Tudo soa sintético demais.

Conclusão

Artificial, monótono e sem a magia ressonante da filmografia extraordinária do cineasta, O Beco do Pesadelo se perde na ostentação, no exagero, na previsibilidade de um roteiro enfadonho e ocupa uma posição bastante esquecível e inferior na carreira de singularidades de Guillermo del Toro. Seu grande espetáculo visual e elegância – contornado por ótimas performances de um elenco infalível – é também o seu maior pesadelo no quesito ritmo, dinamismo e imersão. O filme é chato, repetitivo e nos faz questionar se, após vencer um merecido Oscar, del Toro encontra-se no beco sem saída de sua carreira. Ou será que, assim como na trama, é apenas temporário?

NOTA: 7/10


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