Crítica | A Última Noite – Festa vira enterro em comédia natalina apocalíptica

É revigorante assistir um filme natalino que não seja comédia romântica, isso é fato. E A Última Noite (Silent Night), na realidade, proporciona exatamente o oposto do reconfortante clima festivo do gênero ao ser um drama provocativo e apocalíptico, com senso de humor ácido. Porém, certamente não é um filme para todos e parte de sua temática deve causar desconforto pela falta de aviso, afinal, sem entregar surpresas, o filme lida – de uma forma, digamos, leviana e pouco consciente de seu impacto em determinado público – sobre suicídio em massa. Um filme de Natal desesperançoso? Isso é novidade!

Mas a bad vibe do roteiro tem suas genialidades e o grande elenco entrega uma divertida (para não dizer dark) interação, sem dúvida o ponto alto da narrativa, ao viver uma família disfuncional – e desesperada – afinal, o fim do mundo está próximo e existem conflitos mal resolvidos entre eles, ou seja, nada melhor do que uma boa ceia de Natal para colocar os “pingos nos is”, não é mesmo? Para os amantes do chamado cinema de câmara – que consiste em uma trama desenvolvida em apenas algumas horas e com poucos cenários – essa produção é um prato cheio, mesmo que, por vezes, passe do ponto.

A trama e o elenco

O forte do roteiro simples e direto de A Última Noite está mesmo na construção de seus personagens complexos e na relação conturbada entre eles. Durante uma noite – que acaba por ser a noite de Natal – eles precisam lidar com a angústia da despedida. Porém, a trama não começa nesse ponto (e muito menos foca na parcela comovente disso), afinal, somos apresentados à uma comédia natalina cujo único drama parecia ser os conflitos de uma reunião de família.

Somente da metade para o final que reviravoltas pontuais levam a narrativa para um caminho bem mais imaginativo e ficcional e menos pé no chão, como estava sendo construído. Essa virada é ousada, divertida e carregada de perguntas mal respondidas.

O elenco é vasto e cada um possui seu próprio conflito interno, mas, no centro dessa trama, está Nell, vivida pela ótima Keira Knightley (Orgulho e Preconceito), a anfitriã da casa. A atriz empresta novamente seu carisma para comprar uma mãe que, por vezes, sente a dor da perda pelo que está por vir, mas que se mantém forte e aceita o inevitável. Tudo parece ser em vão durante essa noite, mas Nell – e os demais – lidam como se fosse apenas mais um Natal caótico em família.

Destaque também para a performance do jovem Roman Griffin Davis (Jojo Rabbit), que está se provando ser um dos melhores atores da nova geração. Por outro lado, pelo excesso de subtramas paralelas, nem todos os personagens são bem trabalhados e alguns em potencial são desperdiçados, como Annabelle Wallis (Maligno) e Lily-Rose Depp (Voyagers).  

A direção

A maestria da condução de Camille Griffin, novata na cadeira da direção com seu primeiro longa-metragem, está exatamente na tentativa bem-sucedida de provocar uma montanha-russa de sentimentos e sensações no público da forma mais sútil e menos “sangrenta” possível. Esse atributo é raríssimo – especialmente para um iniciante.

A diretora entende que a desgraça psicológica e o medo do desconhecido são piores do que qualquer cena de terror explícita. E, como tal, trabalha exatamente essa mistura de emoção, pavor e assentimento para provocar impacto.

Por vezes, acreditados que a decisão que as personagens tomam é a correta e plausível, por outras, questionamos a veracidade dos fatos e, com o tempo correndo e o fim se aproximando, não restam muitas alternativas, sobrando espaço apenas para o desespero. Desenvolver tensão com tão pouco é algo realmente para se aplaudir e vem da sintonia entre um roteiro decente, um elenco interessante e uma direção que sabe exatamente onde deseja chegar.

Conclusão

Ainda que possua seus problemas narrativos e trate um assunto perigoso de forma leviana, A Última Noite é uma feliz e sombria surpresa para salgar a tradição de filmes natalinos inofensivos. Com grande elenco e um senso de humor perverso, a trama – simples e direta – faz o espectador mergulhar no caos apocalíptico de uma noite em família e entretém do começo ao fim. Longe de ser memorável, mas plenamente satisfatório dentro do que se propõe fazer.

A produção brinca com gêneros (ainda que um lute para ter mais atenção que outro) e mistura sentimentos, mas nunca perde sua acidez ao retratar uma sátira política melodramática dentro de um filme natalino ousadamente desesperançoso. O jantar está bem servido e nos resta apenas passar 1 hora e meia com esse grupo de pessoas odiosas em sua última noite antes do fim de tudo. Há boas intenções, a mudança de perspectiva para o gênero é válida e a última cena – em especial – deixa um efeito aterrador. De quantos filmes natalinos você pode dizer o mesmo?

Nota: 7/10


Já conhece nosso canal do YouTube? Lá tem vídeo quase todo dia. Se inscreve! Dá uma olhada no nosso vídeo mais recente:

Aproveite para nos acompanhar nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram, Youtube e também no Google News.

Quer receber notícias direto no seu celular? Entre para o nosso grupo no WhatsApp ou no canal do Telegram.

Última Notícia

Mais recentes

Publicidade

Você vai querer ler isto: