Crítica | Amor, Sublime Amor – Um musical impressionante, mas que já foi feito antes

A história de amor entre o norte-americano Tony e a latina Maria sem dúvida marcou uma geração e estabeleceu regras importantes para os filmes musicais durante a Era de ouro de Hollywood. Para o começo dos anos 60, um filme de tamanha escala, tão à frente de seu tempo e que toca em temas menosprezados como xenofobia, é realmente algo para se admirar. Talvez por conta disso tenha levado 60 anos para que esse conto de amor perante o impossível ganhasse um remake tão impressionante quanto o original. Mas convenhamos, Amor, Sublime Amor (West Side Story) ainda possui relevância após tanto tempo?

Não existe resposta simples para isso, mas podemos dizer que sua temática ainda se mantém forte (especialmente após o terrível governo Trump e a política contra imigrantes estrangeiros), porém, sua história de amor – no melhor estilo Romeu e Julieta – acabou por ser diluída nas memórias. Um fato é certo: o musical é sim datado e não existe Steven Spielberg que prove o contrário. Porém, isso é apenas um pequeno aspecto da obra e pouca afeta seu impacto, mesmo nos dias de hoje. Pelo menos no coração dos fanáticos mais devotos ao material de base.

Nessa busca por se manter no caminho do original e não ferir o sentimento dos fãs, o cineasta se apega demais ao clássico e narra a mesmíssima trama, com algumas atualizações bem-vindas, mas que, no lugar de fazer uma releitura modernizada (algo que poderia ter funcionado como Em Um Bairro de Nova York), apenas sacode a poeira do tempo e reconstrói o filme de 1961 com maestria, quase como um restaurador visando manter esse conto vivo por mais 60 anos, quem sabe. E se depender da força de sua direção, isso deve ser concretizado.

A trama e o elenco

Para alegria dos fãs do gênero, 2021 foi um ano generoso para os musicais e, de fato, Amor, Sublime Amor é a cerejinha desse bolo cantado. Não poderia ser diferente, uma vez que o avô dos musicais românticos ainda mantém forte influência em tudo que vemos hoje. Desde Glee até La La Land, há uma fagulha de incentivo em todos os roteiros dentro dessa temática. O problema está mesmo é na cafonice datada que habita nas tramas sustentadas pelo modelo “boy meets girl”. O amor idealizado que ultrapassa qualquer limite entre o racional e o ilógico, a menina que perdoa o assassino de seu irmão por estar loucamente apaixonada, o casal que enfrenta qualquer perigo e mergulha no egocentrismo para manter o romance vivo. Artifícios esses que existem nesse musical e que o torna um tanto quanto açucarado demais para o século 21 – mesmo que sua trama seja situada no passado, obviamente.

Aliás, a trama acompanha o lado mais marginalizado de Nova York, um bairro formado por imigrantes de diferentes países (sendo a grande maioria de Porto-Rico), que vai para a América com o popular sonho de que há de encontrar uma vida melhor no país. No entanto, os nativos locais acreditam que eles são ameaças ao sistema branco, que fundou as raízes sangrentas dos EUA.

Essa eterna luta de raças e etnias faz com que o lugar seja dividido entre gangues e, desse conflito, que nasce o poderoso (e um tanto quanto apressado) amor entre uma jovem latina de 18 anos, chamada Maria (vivida por Rachel Zegler), e o galã rebelde Tony (Ansel Elgort) – que recém saiu da cadeia após agredir um latino, uma vez que seus melhores amigos fazem parte da gangue Jets, um grupo de arruaceiros e desajustados que passa as horas vagas perseguindo e transformando a vida dos estrangeiros em um inferno. Como se pode esperar, assim como no clássico de Shakespeare, esse relacionamento “proibido” termina em tragédia.

Ao atualizar um fato ou outro, o roteiro precisa retratar dois assuntos complexos do original, dessa vez com o olhar contemporâneo: uma tentativa de estupro e um personagem trans (agora vivido por Ezra Menas). Ambos os momentos são trabalhados de forma bem mais sensível do que no clássico (ainda que a representatividade seja extremamente superficial) e, por conta disso, faz essa história ter sua justificativa para retornar validada, porém, a relação de amor entre o casal se mantém tóxica e problemática à ponto que é difícil engolir tanta falta de noção – o grande problema da fidelidade é que a parte dramática dessa história ainda permanece rasa e contestável.

Sem dúvida, o romance como um todo – ainda que seja o ponto central da trama – é seu elo mais fraco. Zegler e Elgort (Em Ritmo de Fuga) estão ótimos e há sim uma química forte em cena, um certo ar de inocência que mostra como ambas as personagens estão tão imersas nesse amor avassalador, que se mantém cegos para a tensão que está sendo construída ao redor.

Porém, é a Anita de Ariana DeBose (A Festa de Formatura) a grande estrela dessa obra. A atriz rouba os holofotes para si e entrega carisma, força e performances musicais impecáveis. A nova versão da personagem agrega discussões válidas e reflexões fundamentais sobre o racismo da época, que vai além de qualquer conflito infantil entre grupos de homens imersos na toxicidade masculina. E por falar em versões novas, Rita Moreno (que deu vida a Anita no original) está de volta em um papel especial, que emociona e estabelece conexões importantes para a mensagem de empatia da história.

A direção

Steven Spielberg (A Lista de Schindler), por sua vez, como uma criança em um playground, brinca na direção e entrega qualidade absurda em cada sequência musical. A fluidez de sua condução e os belíssimos planos-sequência colocam o espectador dentro da ambientação, como a sensação de assistir um musical no teatro. É tudo perfeitamente brilhante, incluindo o ritmo e a fotografia (que deve chamar atenção no Oscar). Mas vale lembrar que o antepassado já impressionava pelo aspecto técnico exuberante, que inclui a direção, ou seja, nem mesmo com todo o auxílio dos efeitos digitais na construção dos cenários que o cinema possui hoje são capazes de superar o charme dos imensos estúdios do original.

O que Spielberg faz (e faz de melhor por sinal) é amplificar essa qualidade técnica ao nível mais alto permitido e replicar sua fórmula de sucesso. É um musical blockbuster e para tal, a produção ambiciosa não poupa esforças para fazer algo majestoso. Desde os figurinos estonteantes, as cores vivas, até as performances musicais que ocupam os cenários com um mar de figurantes, cada detalhe é pensado como uma obra de grande escala, feita para ser exibida na maior tela possível. Há uma vivacidade e energia que não permitem que a narrativa perca seu ritmo, mesmo com 2 horas e meia de espetáculo, fruto de um diretor visionário que sabe equilibrar a calmaria dos diálogos com a potência e intensidade das canções e suas letras alfinetantes.

Conclusão

Na contramão de atualizar o clássico que marcou uma geração, Steven Spielberg opta mesmo por reproduzir a trama original de Amor, Sublime Amor e elevar sua qualidade técnica com tudo que o cinema de hoje pode oferecer. O musical retorna com vivacidade, energia e amplifica assuntos que ainda são relevantes para os tempos atuais. Definitivamente um espetáculo em todos os sentidos, que transborda emoção, consciência e divertidas performances musicais para esquecer os corações dos românticos restantes no planeta.

Tamanha fidelidade e respeito é admirável, mas, inevitavelmente o remake desperdiça a chance única de se renovar, já que histórias singulares como esta são como cometas raros, que passam por nós uma vez a cada século e quem perder, perdeu. Mas não se preocupe, o cometa de Spielberg – ainda que não tão autêntico assim – deixa seu rastro reluzente e passa longe de desagradar os fãs mais leais da obra. Para nossa felicidade, o amor ainda é tão sublime quanto era no passado.

Nota Geral: 8/10


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