Crítica | Tick, Tick… Boom! – Um brinde aos sonhadores em musical existencialista

O tempo é uma bomba-relógio cujo contador não possui precisão. Pode explodir daqui à 10 anos, como também pode acontecer neste exato momento. E o que você deixou de legado? Fez sua vida valer à pena? O que sobra quando o vazio absoluto toma conta? Será que você sonhou alto demais? Ou quem sabe de menos? Bom, todos esses questionamentos fazem parte do inteligente, sensível e comovente roteiro de Tick, Tick… Boom! – novo musical original da Netflix que remonta a trajetória da lenda da Broadway, Jonathan Larson. Ao mesmo tempo que explora a tão terrível crise dos 30 anos – quando sua vida deveria estar indo para um caminho e não parece estar – o longa surpreende com uma das melhores atuações da carreira de Andrew Garfield e proporciona uma bonita e divertida reflexão existencialista, rara em filmes desse gênero.

A trama e o elenco

Situado no começo dos anos 1990, essa viagem reflexiva pela vida de um artista em crise possui todos os elementos capazes de nos fazer se relacionar com sua história de desafios em uma Nova York competitiva, sombria e tomada por jovens sonhadores que acabam tendo seus sonhos frustrados. Larson tem uma visão clara do que sabe fazer e onde deseja chegar com seu talento extraordinário como compositor, mas a trajetória do ponto A ao ponto B pode custar mais do que ele estava disposto à pagar. Será que um dia os artistas vão receber mais do que o preço que pagaram por vender suas almas? Esse é o contexto e a essência da trama.

Ainda que entrecortado por momentos de melancolia – especialmente por ter a epidemia da AIDS como plano de fundo – seu protagonista é um jovem otimista, alegre e que, acima de qualquer um, acredita em si mesmo e no seu potencial de fazer algo fora do comum para ser o “futuro do teatro musical”.

Andrew Garfield (O Espetacular Homem-Aranha), como já citado, incorpora a persona hiperativa e é o espetáculo em si. O astro entrega veracidade em uma performance deliciosa, doce e frágil, digna de uma indicação ao Oscar.

Prestes à completar 30 anos e sem saber como veio parar nessa vida caótica, Larson questiona sua subsistência em canções com presença e letras nascidas da mente explosiva de um jovem que tem medo de ser adulto. Talvez por conta disso sua trajetória seja interrompida tão cedo, uma vez que o escritor acaba por falecer com apenas 35 anos e esta obra biográfica evidencia a intensidade que foi sua vida tão curta, mas ao mesmo tempo tão marcante para o teatro, afinal, ele abordava assuntos corajosos em suas obras, como homossexualidade, vício em drogas e a luta contra a AIDS – como podemos ver no famoso musical Rent, que estreou poucos dias após sua morte, em 1996.

Como um bom musical (no melhor estilo Hamilton e Hairspray), as canções não são de graça e ajudam a compor o sentimento das personagens, assim como a atmosfera boêmia do final dos anos 80 em Nova York.

Em suma, é um filme sobre a passagem apressada de tempo – que tragicamente acaba por ser a realidade de Larson -, sendo assim, há uma ótimo ritmo, que conecta todas as subtramas e mostra como cada segmento da vida do protagonista serve como inspiração para suas letras honestas e penetrantes, desde seu melhor amigo gay (vivido polo ótimo Robin De Jesus), até seu interesse amoroso (Alexandra Shipp) e sua parceria com outra jovem também sonhadora, interpretada por uma Vanessa Hudgens bem mais séria e contida que o habitual.

O elenco, como um todo, é fantástico, parece estar se divertindo com os papéis e a química natural funciona que é uma beleza na tela.

A direção

Ainda que toque em feridas semelhantes, não, este filme não possui o dedo romantizado e trágico de Ryan Murphy, uma vez que é dirigido por ninguém menos que outro mestre em musicais: Lin-Manuel Miranda (Em um Bairro de Nova York). Sua mente visionária traz a energia vital dos palcos para dentro do filme e mescla – com bastante maestria – essa união de mundos que combinam tão perfeitamente bem.

Aqui, o grande ator assume o olhar de diretor e, por ter raízes no teatro musical, foca no temido processo criativo de uma artista e presta uma franca homenagem de gratidão, na perspectiva do espectador, por saber que um dia o nosso tempo acaba e fazemos o melhor que podemos com o que temos.

Mesmo com a duração estendida e algumas canções longas demais, a montagem mantém a trama dinâmica e raramente cai no tédio. Porém, há sim alguns momentos em que o roteiro não soa natural e parece estar focado em fazer o público sentir emoções, no melhor estilo “senta aqui que agora é hora de chorar”, sem que esses sentimentos venham de forma orgânica.

Na maior parte do tempo, emociona simplesmente por ter um protagonista tão otimista em um mundo cruel, mas essa sensação poderia ter sido mais implícita e menos pontual. Por outro lado, tanto a caracterização do elenco quanto o contraste da fotografia entre o sonho perfeito colorido e o frio mundo real, tudo é divertido e ajuda na imersão.

Conclusão

Assim como sugere seu título, Tick, Tick… Boom! é um musical sobre o sentimento de urgência, sobre como o tempo se esgota antes que possamos realizar todos os nossos sonhos. Um filme doce, agitado e sincero sobre um artista meteórico, à frente de seu tempo e, no fim das contas, o longa de Lin-Manuel Miranda funciona como uma mensagem de amor à quem pensa e compõe os musicais que tanto amamos.

É realmente raro quando um filme musical tem a consciência de sua essência e, ao invés de pregar apenas alegria exacerbada, nos coloca dentro de um palco da Broadway para refletir sobre a vida e sobre o tempo que nos resta, uma espécie de energia melancólica em um drama existencialista. Como se isso já não fosse o suficiente para ter nossa atenção, eis que Andrew Garfield oferece indiscutivelmente o trabalho mais profundo de sua carreira. Antes que a bomba-relógio possa explodir e interromper nossa história, vamos brindar à vida e, acima de tudo, à liberdade de sonhar alto sem medo da queda.

Nota: 8/10


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