Crítica | A Lenda de Candyman é inteligente, provocante e didático

Algumas histórias definitivamente cruzam a linha entre entretenimento e didatismo e proporcionam uma verdadeira experiência crua e impactante sobre temas que nunca deixam de ser atuais. E o terror, de todos os gêneros, é o que melhor consegue mesclar conflitos sociais com metáforas potentes. Não é novidade que a trama de O Mistério de Candyman (o longa original, lançado em 1992 – e suas sequências fracas) já estava à frente de seu tempo na ousadia de expor o racismo estrutural em um filme feito para ser simples e que seria consumido pelas massas, porém, após 29 anos, esse enredo é ressignificado na majestosa sequência A Lenda de Candyman (Candyman), que eleva sua crítica social, apavora sem demostrar amadorismo e ainda proporciona um banho de sangue para fã do gênero nenhum colocar defeito. De quantas sequências podemos dizer isso com convicção?

A trama e o elenco

Situado na vizinhança do original, A Lenda de Candyman ignora os demais filmes que vieram depois e, além de reconhecer a existência do primeiro, também mergulha mais a fundo na mitologia da tal lenda urbana e agrega diversas novidades desconhecidas, que tornam esse universo mais rico, denso e palpável.

Dessa vez – parecido com a premissa de Velvet Buzzsaw, situada no egocêntrico mundo das galerias de arte -, acompanhamos a jornada obsessiva de um pintor e fotógrafo (vivido por Yahya Abdul-Mateen II) pela tal história do homem sinistro com gancho na mão que dá doces às crianças de um precário complexo de apartamentos em uma zona pobre de Chicago. Conforme o protagonista descobre mais e mais sobre sua verdadeira origem e o lado maligno do vilão, mais à fundo a trama mergulha no racismo, na violência policial e na segregação que transformaram aquele lugar em um gueto isolado da sociedade branca. Sem medo algum de tocar na ferida (literalmente!) o drama e o terror caminham juntos para construir uma narrativa que envolve, emociona e ensina o espectador na mesma proporção.

Por se passar quase 30 anos após o primeiro filme, A Lenda de Candyman traz de volta alguns personagens já adultos ou envelhecidos (incluindo uma reviravolta que nos faz querer rever o original), mas também foca em aprofundar os novos rostos, como a jovem Brianna (Teyonah Parris) e seu irmão Troy (Nathan Stewart-Jarrett), que, inclusive, é gay e o roteiro trata com a maturidade que deve ser.

Parris (WandaVision) é espetacular e rouba a cena sempre que aparece. Mas claro que sobra espaço para Yahya Abdul-Mateen II (Aquaman) também entregar uma performance intensa, sombria e repleta de camadas. A dupla em cena é pura química hipnótica.

As personagens são bem construídas e todos possuem algo a acrescentar, mesmo ao lado mais clichê do terror. Nos importamos com suas vidas, um detalhe simples, porém fundamental para adentrarmos na atmosfera da história e temermos a chegada do bizarro Candyman.

O vilão, por sua vez, tem vários rostos e várias origens aqui (com direito ao retorno triunfal de Tony Todd), mas todas são pesadas. Diferente de personagens de slashers rasos, como Jason e Freddy, Candyman tem (e sempre teve) um bom e compreensível propósito. Uma entidade nascida da raiva, do medo e da violência contra a comunidade negra, que ganha ainda mais força nos dias de hoje e, com isso, mostra a relevância desse filme existir e sua importância para o gênero após as portas terem sido abertas por obras contemporâneas, como Corra! e Nós! (aliás, Jordan Peele também é produtor de Candyman).

A direção

A direção de Nia DaCosta (futura diretora de Capitã Marvel 2) é tão elegante e deliciosamente eficiente, que se situa em uma vibe mais artística, cujo terror é subjetivo em muitos momentos – ainda que tenha um bom uso do jump scare. A condução é majestosa, equilibrada entre o drama e o horror e feita com escolhas narrativas bastante ousadas. Ainda que tenha sangue por toda parte, a violência não é explícita como se poderia esperar de um slasher – isso pode deixar alguns espectadores frustrados.

Cada morte é feita com estilo, planejada para brilhar na tela e idealizada por uma mente que sabe muito bem trabalhar as conveniências e clichês do gênero à ponto de subvertê-los. Definitivamente estamos diante de uma visionária que, assim como o protagonista, pinta sua obra mais afiada e provocativa.

Conclusão

Com seu enxame de reflexões, A Lenda de Candyman subverte clichês do gênero e proporciona uma trama inteligente, provocante e didática, feita sob o olhar cativante de uma diretora visionária e que deve agradar tanto os fãs do original, quanto os fãs de filmes de terror que possuem algo a mais a dizer. É a lenda urbana eternizada em uma sequência que ressignifica sua existência, agrega ainda mais força à sua crítica social e nos faz questionar quem é o verdadeiro vilão dessa história.

Nota: 9/10

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