O Brasil para o estrangeiro parece ser a tática da Netflix de criar conteúdo nacional com o principal intuito de “vender” nossa cultura e tradições para mercados internacionais. Essa decisão criativa justifica o fato de praticamente todas as produções brasileiras do catálogo – com exceções de algumas obras de fantasia – serem mergulhadas no mais puro e meloso estereótipo. Mas tudo bem, o problema não está em pegar recortes e criar uma imagem idealizada do país, isso faz parte e, em sua grande maioria, funciona, porém, a problemática surge quando essas obras possuem dificuldade de dialogar com o público nativo, uma vez que servem apenas para suavizar e passar a ideia de terra sem lei e país da diversão. Dito isso, Carnaval, novo original da plataforma, que explora a nossa tão desejada festa tradicional, habita essa linha tênue entre a identificação e a estranheza, mas funciona como uma comédia escapista sem grandes pretensões.
A trama e o elenco
Ao não soltar a mão da mensagem “dar valor às amizades”, o roteiro pega um plot mínimo e raso e o transforma em um longa-metragem de uma hora e meia sobre um grupo de amigas, liderado por uma digital influencer, que viaja para Salvador com o intuito de ter o melhor carnaval de suas vidas, uma vez que tudo será pago através de permutas. No lugar, elas descobrem que ainda há pessoas superiores a elas e que a amizade precisa ultrapassar as postagens do Instagram e se mostrar real no mundo palpável.
Através dessa premissa bastante superficial, porém, contemporânea, a trama entrega bons momentos de humor e uma química gostosa do grupo, mesmo quando esgota rapidamente suas alternativas e precisa recorrer à dramas sem fundamento e conflitos precários.
Por sorte, o elenco escolhido possui carisma para fazer valer o tempo investido, pelo menos por boa parte da obra. Destaques para Giovana Cordeiro, que vive a protagonista vazia, mas que passa por uma leve jornada de realidade ao ter que confrontar seu mundo de aparências nas redes sociais, e para a hilária Gessica Kayane, que rouba a cena como a amiga “sem noção”.
As demais atrizes também são boas, ainda que parte significativa das piadas (exageradas, digamos de passagem) do roteiro sejam previsivelmente pautadas em memes e clichês da internet. Ainda que tente mostrar alguns traumas da infância provocados pela crise do pânico de uma delas, as personagens são unidimensionais e a trama não busca apresentar mais do que o óbvio de cada uma, ficando a cargo do público encaixar essas pessoas em caixinhas pré-estabelecidas de “a nerd”, “a espiritualista”, “a safada” e “a fútil”. Uma pena que seja apenas isso que vamos ver delas e que haja pouquíssima tentativa do roteiro de surpreender e fazer refletir, como podemos ver em produções como As Five, por exemplo, que apresenta jovens adultas diversificadas e conflitantes em um mundo coerente com o atual.
A direção
A condução do diretor Leandro Neri (Socorro, Virei Uma Garota!) mais uma vez busca replicar o modelo das comédias americanas e até consegue manter a trama sempre agitada e animada, mas, definitivamente, falta vida, cor e luz para fazer jus ao título do filme e a força dessa festa no país.
A parte técnica, como a montagem e a fotografia, é inconsistente e não se encaixa na proposta enérgica, além de ser básica e temer fugir da zona de conforto, mesmo que o clima – o tempo todo – seja de alegria e diversão.
Um pouco de densidade e momentos de silêncio teriam dado ao roteiro a emoção e o drama que tanta força existir e que nunca atinge seu ápice, nem mesmo com a reflexão do desfecho sobre a tal “Era do cancelamento” e as relações vazias no falso e editado mundo digital. Uma vez que coloca o pé no caminho mais fácil a seguir, dificilmente entrega qualquer reviravolta satisfatória, mesmo que seja a revelação – sem mais nem menos – de um personagem LGBTQ+ jogado na trama como forma de fazer o “encanto” da protagonista se quebrar e ela dar valor ao que já possui. A iniciativa é boa, mas feita, assim como todo o restante da obra, sem maestria e sensibilidade por parte dos realizadores.
Conclusão
O clima jovial e a atmosfera de festa, calor e verão de Carnaval certamente devem atrair quem gosta de comédias escapistas, mas o novo original brasileiro da Netflix peca por se manter na zona de conforto, replicar estereótipos já batidos e não aprofundar – com sensibilidade e destreza – a cultura do influencer e o vazio do mundo digital. O humor, ainda que exagerado, está presente e boa parte das piadas divertem, assim como a química das amigas em cena. Apesar de tentar ser um filme que deseja mostrar ao mundo como o nosso carnaval é singular, colorido e vivo, falta um roteiro mais inteligente e uma direção mais enérgica para sustentar tal promessa.