Roteiro raso é algo que não combina com a profundidade que foi a vida de Marie Curie, mas é desta forma que sua cinebiografia Radioactive, obra original da Netflix, se apresenta. Apesar de não dar muitos contornos e ser direto no contexto de quem foi uma das mulheres mais importantes para a história da humanidade, o enredo engessado parece seguir um checklists da vida da personalidade e não deixa espaço para trabalhar a emoção ou mesmo os detalhes minuciosos de sua vida conturbada no machista e misógino Século XIX. Por outro lado, os realizadores têm em mãos uma trama verídica essencial de ser contada e recontada para que jamais caia no esquecimento os feitos espetaculares de uma mulher a frente de seu tempo.
A trama e o elenco
A pressa para abranger diferentes épocas da vida da protagonista faz com que a trama de Radioactive tenha uma energia apressada que, no fim das contas, acaba por não expressar a totalidade que foi Curie, uma física e química polonesa naturalizada francesa que se tornou a primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel, sendo também a primeira pessoa e a única mulher a ganhá-lo duas vezes, além de ser a única pessoa a ser premiada em dois campos científicos diferentes, fato esse que teria funcionado bem melhor caso esse filme fosse uma série de TV com seus 8 capítulos. Mas ok, dentro do apresentado, conhecemos a personagem já adulta e envolvida em suas pesquisas pioneiras sobre radioatividade, até seu envolvimento com o cientista Pierre Curie e o avanço de sua carreira por conta dessa “ajudinha” masculina.
Apesar de ser pano de fundo, questões feministas não recebem o palco que merecem, especialmente nesse tipo de obra cujo contexto necessita do debate, no lugar, os realizadores exploram mais a fundo os dilemas de Curie com o mal uso de seus experimentos para desenvolver bombas atômicas capazes de aniquilar cidades inteiras e plenamente utilizadas pelos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Esse conflito se torna o ponto central do desenvolvimento da trama e move a narrativa para frente, ainda que ignore detalhes cruciais para o envolvimento emocional do público com sua história. Rosamund Pike (Eu Me Importo), entrega uma performance espetacular e comprometida, apesar de pesar a mão no ar sombrio que não condiz tanto com a cientista. Não chega a ser o seu melhor desempenho, mas também não fica muito abaixo dos trabalhos que vem entregando nos últimos anos, especialmente como vilãs megeras.
A direção
A condução da quadrinista Marjane Satrapi é enérgica e sabe dividir espaço entre os personagens e suas relações íntimas, porém, há tropeços ao replicar fórmulas típicas de cinebiografias e previsibilidades que acabam não surpreendendo o público em absolutamente nenhuma manobra que decide tomar. A diretora se perde em sua própria bagunça e não mergulha de verdade no trabalho científico de Marie ou no de seu marido, mas, em vez disso, arranha a superfície enquanto retrata uma estranha história de amor, mas nunca a torna realmente verossímil. Fica essa sensação de que o plano era agradar a todos, mas, no fim, não acerta para lado nenhum.
Conclusão
Apesar de ser uma história poderosa, com Radioactive, o mergulho na vida da extraordinária Marie Curie é bastante raso e falta química para que o filme alcance o nível de importância que foi o legado da cientista para o mundo. O roteiro decepcionante só não é pior por conta da performance apaixonada e fria de Rosamund Pike, no entanto, a cinebiografia apela para a fórmula previsível e se pede em suas próprias ambições.