O que queima a largada de Fuja (Run), suspense que está chegando ao Brasil através da Netflix, é a familiaridade com uma série que fez bastante sucesso por aqui. Se você já ouviu falar da sinistra The Act, baseada na história verídica da jovem Gypsy Rose, certamente o longa-metragem da Netflix não irá te surpreender tanto assim. Porém, há uma interessante construção de mistério na trama que, ao mesmo tempo que desenvolve uma narrativa novelesca bastante previsível, também coloca seus protagonistas em situações de ficar na ponta do sofá, mantendo o espectador ocupado e ansioso pelas reviravoltas que estão por vir ao longo da jornada. Ou seja, o trabalho de imersão é bom, mas será que, por si só, segura um enredo tão mais do mesmo como esse?
A trama e o elenco
Na trama, acompanhamos a rotina de uma mãe solteira e sua filha adolescente, isoladas em uma casa distante da cidade. Aparentemente, a menina possui inúmeros problemas de saúde que limitam sua movimentação e desenvolvimento. Porém, certo dia, descobre que sua mãe esconde um segredo obscuro que pode mudar para sempre o relacionamento delas. Dessa premissa, o roteiro não escapa das armadilhas do gênero, mas a condução surpreende pelo nível de tensão que coloca em cada cena angustiante, já que enxergamos o desenrolar da história pelo ponto de vista da jovem e suas limitações físicas são utilizadas como ferramentas para que o suspense faça o espectador ficar tenso. Passada aquela ruim sensação de que “eu já vi isso antes”, a trama se solidifica dentro de sua simplicidade e proporciona diversão genuína, felizmente.
Claro que o suspense depende do desempenho da excelente Sarah Paulson (Ratched, American Horror Story) para passar a veracidade necessária, já que as situações, apesar de plausíveis, são exageradas e o roteiro contém falhas. A atriz, por sua vez, está fantástica – como de costume – ao viver essa versão doce e preservada de uma mãe obsessiva. Kiera Allen não está muito atrás no papel da filha. A jovem se entrega de corpo e alma à personagem em uma atuação convincente, especialmente quando a trama deposita todas as expectativas na ação física da menina que precisa se locomover para sair de situações perigosas – e tudo isso em uma cadeira de rodas. Nesse caso, a falta de química e a desconexão da dupla convence ainda mais, já que uma desconfia da outra durante todo o tempo. Curiosamente, acaba sendo divertido ver o roteiro dilatando o tempo para fazer o suspense funcionar em momentos do cotidiano, como um simples telefonema para a farmácia, por exemplo.
A direção
Aneesh Chaganty é um sujeito criativo que sabe equilibrar o drama com o mistério com bastante maestria, algo que já havia provado em seu primeiro filme, o excelente Buscando… Aqui, a condução de suspense é ainda mais intensa e o diretor mantém o nível elevado por praticamente toda a narrativa, mesmo que se apegue demais aos exageros. O ritmo se intensifica conforme a trama assume caminhos mais sombrios e, apesar de um desfecho anticlimático e broxante, a trajetória até lá é pura adrenalina e emoção, combustíveis essenciais para fisgar o espectador e não permitir que a atenção seja desviada.
Ainda que não seja mais nenhuma novidade obras que exploram a Síndrome de Munchausen por procuração, esse, ao menos, solidifica o assunto como nenhum outro fez até agora. Fora isso, a parte técnica também é boa, especialmente a direção de arte, que transforma a casa em um ambiente aconchegante, inicialmente, e depois começa a ficar mais e mais sombria e escura conforme as revelações são expostas.
Conclusão
Com isso, embora tenha um enredo totalmente previsível, Fuja mantém o espectador na ponta do sofá e surpreende na maneira intensa e intrigante de como constrói seu suspense em torno de uma relação aterradora entre mãe e filha. Além de entregar excelentes atuações – um brinde à Sarah Paulson -, é a pedida certa para os amantes de suspense e deve agradar aqueles que buscam uma boa diversão para sexta a noite. Obviamente, está longe de ter a inteligência de obras semelhantes, como a série The Act, mas funciona em deixar o público sem unha de tanto que faz roer.