Crítica | Jovens Bruxas: Nova Irmandade – A magia não funciona dessa vez

Quando ‘Jovens Bruxas’ surgiu, em 1996, o mundo do cinema estava recém saindo do machista anos 1980, que foi carregado de narrativas sobre meninos rebeldes, como ‘Os Garotos Perdidos’, ‘Conta Comigo’ e ‘Os Goonies’. O famoso termo “meninos sendo meninos” nunca esteve tão em alta. Nesse contexto de ascensão do cinema feminino, as comédias românticas estavam dominando as salas e estabelecendo que a garota perfeita precisaria ser “doce”, “delicada” e “princesa”, por conta disso que a aventura teen quebrou diversos paradigmas da época, especialmente por dar protagonismo a personagens maduras, fortes e que fogem dos estereótipos.

Certamente foi um dos primeiros filmes voltados para o público jovem a lidar com sororidade e liberdade sexual feminina e, como é de se esperar, não demorou muito para se tornar um clássico instantâneo do Halloween. Como bem sabemos, tudo que é sucesso um dia retorna e o filme, claro, está de voltas aos cinemas agora em 2020 com ‘Jovens Bruxas: Nova Irmandade’ (The Craft: Legacy), uma mistura equilibrada de remake com sequência, que tem como objetivo trazer a adorada história para os dias atuais e, de quebra, explicar alguns detalhes em aberto do passado.

A trama e o elenco

O desafio é grande, afinal, filmes com protagonistas femininas fortes e jovens hoje em dia não é mais uma novidade, ou seja, o roteiro precisou encontrar outras formas de se tornar relevante e, com isso, apelou mesmo para usar o original como alavanca. A nova trama, mais sensível e com mais humor do que a anterior, acompanha a jornada da jovem Lilly (vivida pela ótima Cailee Spaeny) enquanto se muda com sua mãe para morar na casa de seu padrasto, interpretado por David Duchovny (Arquivo X), um homem ambicioso e que trabalha como coach, influenciando pessoas ao redor do mundo. Nessa nova cidade e vida, ela logo se enturma e faz amigas na escola, quando descobre que é, na realidade, o “legado” de uma bruxa. Ao se juntar a tal Nova Irmandade de Bruxas, Lilly começa a fazer magia para conquistar tudo que deseja e as consequências são terríveis para as pessoas inocentes ao seu redor.

Ou seja, a estrutura básica do roteiro é bastante similar ao original, mas há diferenças significativas que acabam transformando essa nova proposta em uma bagunça completa. A principal delas: ausência de conflito. Se no filme de 1996 a protagonista Sarah (Robin Tunney) era inicialmente recatada e passa por uma transformação ao longo da trama, se rebelando, até mesmo, contra suas amigas de Coven e provando ser a bruxa mais poderosa da cidade, aqui, Lilly é doce e gentil em excesso, tem pouca evolução e desenvolvimento, inclusive, carrega muito mais sentimentalismo do que Sarah.

Boa parte dessa nova trama segue sua jornada de descoberta de poderes e, sem grandes explicações de como ela é assim ou os limites dessa tal magia, o conflito é totalmente superficial e ocupa apenas o destrambelhado clímax, sendo resolvido apressadamente e sem grandes dificuldades. Aliás, os poderes das meninas são exagerados e elas chegam quase a ser super-heroínas, podendo, até mesmo, parar o tempo e atear fogo com suas mãos, sem nenhum treinamento aprofundado ou mesmo algo que possa justificar tal presepada. Qualquer explicação que o roteiro ousar dar é rasa e vazia demais para fazer algum sentido. Então é fechar os olhos e deixar a narrativa guiar sem que possamos fazer perguntas.

Para uma nova geração

Como a produção é da Blumhouse, o público-alvo continua sendo adolescentes e a representatividade LGBTQ+ ganha bastante destaque, especialmente pelo fato de uma das bruxinhas ser uma menina trans (Zoey Luna), algo que, infelizmente, seria impensável fazer nos anos 90 e que torna essa sequência mais interessante. Por conta disso, o roteiro realmente acerta em modernizar debates, deixando a sororidade um pouco de lado e abordando temas em alta, como homofobia, violência policial e racismo. As personagens são carismáticas e possuem uma ótima química juntas, fato esse que fisga o espectador rapidamente, destaque para a divertida Gideon Adlon (Não Vai Dar).

As meninas são diferentes do comum, mesmo para os olhos de 2020, e essa união de estranhezas, apesar de ser a essência de ‘Jovens Bruxas’, é menos evidente que no original, cuja personagem negra, por exemplo, precisava sofrer racismo descarado para gerar empatia no público. Dessa vez, elas são apenas meninas da Geração Z, com todos os dilemas da adolescência atual, no melhor estilo O Mundo Sombrio de Sabrina, da Netflix. O roteiro, quando não está focado na fantasia bobinha, mergulha em elementos interessantes de filmes “coming of age”, inclusive, através de uma trilha sonora dark e contemporânea, com artistas como Billie Eilish (que aparece em um pôster no quarto de uma das meninas).

A direção

A condução de Zoe Lister Jones (New Girl) aborda questões femininas com mais carinho e sensibilidade que o original, porém, enquanto acerta no tom do drama familiar, entrega uma fantasia desconjuntada e uma ação ainda pior. O desfecho faz toda a boa construção ser desmoronada em prol de: inserir o vilão péssimo, sem profundidade, em uma batalha sobrenatural bem meia boca e algumas surpresas, que ligam esse filme com o anterior, incluindo o retorno de uma personagem do passado.

Sobre isso, aliás, ainda que venha carregado de empolgação, a justificativa, assim como tudo que o roteiro expositivo tenta desenvolver mais a fundo, não faz sentido, não agrega valor e sua explicação é totalmente “deus ex machina”. A atmosfera, por sua vez, é menos sombria e mais cômica e infantil, um desperdício considerável em não trazer o tema “Bruxas do Século XXI” para o âmbito do terror. Na verdade, nada assusta e nada é realmente estranho, são apenas meninas mimadas de classe média fazendo magia em benefício próprio e só. Nenhuma jovem do quarteto, além de Lilly, tem sua vida íntima explorada.

Conclusão

A sensibilidade do roteiro de ‘Jovens Bruxas: Nova Irmandade’ é genuína e não deve ser ignorada, mas seu desenvolvimento é tão desastroso e confuso, que a sequência falha em reviver o clássico do cinema teen, restando apenas um filme raso, bobo e que, 24 anos depois, comete os mesmos erros do original, sendo bem menos fascinante e divertido que o mesmo. Com a expectativa baixa, o longa até diverte em seu começo promissor e com algumas surpresas que conectam com o antecessor, mas desmorona em seu desfecho desconjuntado e termina com um gosto amargo de que a magia do cinema dessa vez não funcionou.

Nota: 4

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