Não basta apenas uma premissa intrigante se o enredo e a narrativa não sustentam o suspense prometido. Já faz algum tempo que os filmes da Blumhouse, produtora responsável por acertos como ‘Corra!’ e ‘O Homem Invisível’, tem sido sinônimo de terror rápido, superficial e desenvolvido para agradar ao público mais jovem, algo que, de fato, não possui o menor problema, porém, o complicado é colocar um filme tão péssimo e leviano, como o thriller ‘Mentira Incondicional’ (The Lie), ou lado do cinema de horror e suspense que tem conquistado espaço e prestígio pela qualidade e profundidade em suas tramas.
O longa nasce de uma parceria inédita entre a produtora de ‘A Morte te Dá Parabéns’ com o serviço de streaming da Amazon, para o desenvolvimento de oito filmes originais voltados para a TV, dentro do gênero de terror e suspense. No entanto, a alegria morre rapidamente com esse começo com o pé esquerdo, especialmente por conta da escolha de abrir o tão aguardado Festival, denominado ‘Welcome to The Blumhouse’, com um dos filmes mais desastrosos do ano, que funciona bem mais como sonífero do que como promessa de sucesso.
A trama e o elenco
Caso já tenham conferido ‘Em Defesa de Jacob’ (Defending Jacob), minissérie da Apple TV+, ‘Mentira Incondicional’, remake do filme alemão ‘We Monsters’, de 2015, segue pelo mesmo caminho de fazer o espectador refletir e se descabelar sobre algo bem pertinente: e se alguém que você ama cometer um crime grave, você denunciaria ou se calaria? No entanto, o longa, estrelado por uma Joey King (A Barraca do Beijo) sem ânimo e sem graça, apresenta uma versão bem menos interessante e sofisticada desse assunto, já que se prende absurdamente em seu plot twist mal construído e vergonhoso.
Na trama, King vive uma jovem que acaba se envolvendo em um “acidente” com sua melhor amiga. Seus pais, vividos pelos ótimos Peter Sarsgaard (A Órfã) e Mireille Enos (Guerra Mundial Z), precisam decidir o que devem fazer nessa situação terrível de ter que acobertar ou ir até a polícia para denunciar sua própria filha. Dessa proposta realmente divertida de se trabalhar, ainda que surjam debates importantes, a trama desanda totalmente rumo ao fundo do poço por conta da falta de energia, tato e uma direção que não consegue manter o suspense em alta por mais de cinco minutos.
A direção
Ao contrário da já citada ‘Em Defesa de Jacob’ que, ainda com problemas na construção, consegue desenvolver muito bem a narrativa e guarda as respostas para o desfecho criativo, esse longa não caminha para lugar algum e as cenas se tornam completamente repetitivas. Os mistérios são tão fracos e rasos, que parecem ter sido escritos por um roteirista fã de tramas C.S.I., que apenas replica resoluções óbvias. Aliás, o roteiro, como um todo, falta elaboração, tanto na jornada dos personagens quanto nas pistas que podem sustentar o desfecho ridículo. Desde o começo, tudo é muito descarado e as respostas estão na cara da polícia, que se faz de difícil apenas para que a trama possa durar mais tempo. Qualquer um com mínima experiência em homicídios seria capaz de trilhar as respostas sem precisar de tanta investigação. O famoso: “só não vê quem não quer!”.
Enquanto o roteiro se embebeda de obviedades, a falta de química entre os personagens e a direção horrorosa da diretora Veena Sud (Seven Seconds) rouba a cena. Os planos são mal realizados, a câmera é tremida boa parte das cenas mais “intensas” (algo que é condizente, mas aqui fica só bagunçado) e o baixo orçamento, típico da Blumhouse, se torna evidente pela ausência de qualquer sofisticação, seja na fotografia azulada e sem vida ou na ambientação. Há poucos cenários para serem explorados e é difícil fugir do sono que dá com tanta cena de diálogo ruim entre a família protagonista e o pai da menina “desaparecida”, vivido pelo mal aproveitado Cas Anvar (O Quarto de Jack).
Conclusão
Dessa forma, a única verdade de ‘Mentira Incondicional’ é que o thriller com Joey King é puro desânimo em sua narrativa previsível e lenta. Ainda que o roteiro tenha boas intenções, acaba soterrado por reviravoltas absurdas, de revirar os olhos, que jogam toda e qualquer mínima construção de suspense no lixo. Muito pouco funciona nesse triste desperdício de premissa, de elenco e de tempo de vida do espectador, que vai sedento assistir a parceria da Amazon com a Blumhouse, mas ganha um dos filmes mais vazios e superficiais do ano.