A tecnologia se tornou fonte inesgotável de inspiração para filmes de terror psicológico após a popularização do seriado ‘Black Mirror’, que fez escola e permitiu o nascimento de diversos outros produtos similares, tanto em streaming quanto nos cinemas. Dessa leva de “pode copiar, mas não faz igual” nasceu obras interessantes, como o recente ‘Caixa Preta’ (Black Box), fruto de uma vindoura parceria entre a produtora de terror, Blumhouse, com a Amazon, em um festival de horror denominado ‘Welcome to the Blumhouse’. Disse “interessante” pois o suspense psicológico é a perfeita união de tudo que já vimos antes em um projeto que acredita piamente estar sendo inovador e único, porém, que acaba divertindo durante sua trajetória de surpresas e referências, ao contrário de outro filme dessa colaboração, o terrível ‘Mentira Incondicional’.
A trama e o elenco
Na premissa, que consome ideias das obras de Jordan Peele e tenta ser um episódio da série da Netflix já citada, um jovem sofre um acidente de carro e tem dificuldades para lembrar de detalhes de sua vida passada, porém, se envolve com uma psicoterapeuta que promete resgatar suas lembranças perdidas através do uso da tão polêmica hipnose. Acontece que, nessa jornada sombria por dentro de sua própria mente, ele descobre segredos que não gostaria de lembrar e precisa confrontar uma poderosa entidade que habita os cantos escuros do seu subconsciente.
Até então, a trama é criativa e divertida, especialmente na forma como desenvolve, com bastante calma, a jornada do protagonista em virtude de descobrir mais sobre sua vida e sobre quem ele era antes do acidente, no estilo ‘Amnésia’, porém, a caminhada é longa e cansativa e, ainda que tenha algumas situações estranhas e intrigantes, certamente perde o espectador com facilidade pela ausência de energia e o desgaste de uma narrativa que é esticada até o seu limite em prol de surpreender o espectador.
Com Mamoudou Athie (Notas de Rebeldia) como protagonista, um ótimo ator, diga-se de passagem, a condução tem nuances de emoção e bastante carisma através de sua performance inesperadamente boa, comparada aos demais astros do elenco de coadjuvantes, que só cumprem tabela e não possuem nenhuma profundidade (ou tempo o suficiente para que sejam mais bem trabalhados pelo roteiro).
A direção
Quando a trama finalmente chega ao seu clímax e a reviravolta, ao melhor estilo ficção científica de baixo orçamento, é revelada ao espectador, já perdeu parte de seu charme e carisma inicial ao longo do caminho e o tão aguardado plot twist, ainda que seja criativo e inusitado, soa futurista demais para a ambientação do filme e para o tipo de tecnologia que rodeia os personagens. A situação é divertida, mas não encaixa na proposta, exatamente pela falta de cuidado do roteiro em criar uma atmosfera mais plausível para aquele tipo de possibilidade.
Fora isso, outro grande problema da direção do novato Emmanuel Osei-Kuffour, além do ritmo lento, está na dificuldade de decidir se Caixa Preta é realista ou surrealista. Há elementos demais acontecendo ao mesmo tempo e nenhum deles funciona com sua total capacidade. Não há humor e o terror força situações bizarras para provocar medo através de um personagem que se contorce como se estivesse possuído. O fato é que essa criatura, sem lógica, não assusta e nem mesmo funciona dentro da obra, que acaba desperdiçando outras ótimas oportunidades de brincar com as camadas da mente humana.
Conclusão
‘Caixa Preta’ não é ruim e até possui uma premissa interessantíssima, que brinca com as profundezas obscuras da mente, mas é exaustivo como o roteiro sem imaginação tenta, de forma nada sutil, ser uma espécie de cruzamento entre ‘Corra!’ e ‘Black Mirror’. Além do ritmo lento, o suspense psicológico perde a oportunidade ser o novo fenômeno de ano, para ser apenas um aglomerado de boas ideias, retiradas diretamente dos melhores episódios de ‘Black Mirror’.