Sucesso da literatura infanto-juvenil, que pegou onda no fenômeno ‘Harry Potter’, ‘Artemis Fowl’ sem dúvida é uma saga literária bem rica e criativa. Desde seu lançamento, em 2001, no auge da febre pelo bruxinho criado por J. K. Rowling, a franquia ganhou 8 livros, escritos pelo autor Eoin Colfer, e depois se apagou no imaginário do público, retornando apenas agora, em 2020, com seu primeiro longa-metragem. Como podemos ver, o problema principal é que ‘Artemis Fowl: O Mundo Secreto’ não só chegou atrasado na festa, como também aconteceu em uma época que não apenas a vibe ‘Harry Potter’ já acalmou, mas também a das adaptações de livros infanto-juvenis. O público, que leu a saga na infância, não é mais criança e as crianças de hoje não estão interessadas no mundo criado pelas essas histórias, já que o cinema desenvolveu novas tendências. Com isso, o filme da Disney já nasceu fadado ao fracasso.
E fracassa, mesmo tendo a oportunidade de agregar alguma novidade. O tom extremamente infantil é um dos motivos pelos quais a trama não decola e não conquista. A falta de nuances e momentos dedicados aos fãs dos livros é a outra pedra que afunda o barco ainda na praia. É estranho como o filme, feito por completo para crianças abaixo dos 10 anos, não se importa em criar uma aventura que possa envolver também o publico mais velho, que cresceu com os livros. A história segue um ritmo acelerado, como se tentasse abraçar todos os caminhos possíveis dentro de um único filme, sem deixar brechas para desenvolver com calma seus personagens e seu mundo mágico, com um medo absurdo de não ter mais outros filmes para estender esse desenvolvimento. Como diretor, Kenneth Branagh (Assassinato no Expresso do Oriente) é um ótimo ator, já que não é a primeira vez que estraga uma adaptação com seu excesso de maneirismo.
Fora o ritmo corrido, ainda que algumas cenas de ação sejam visualmente belas por conta da direção de arte e os efeitos visuais de primeira, o diretor dá uma urgência desnecessária à história e joga o carisma de seus personagens no lixo através de diálogos expositivos, clichês e a ausência de humor. A cada cinco piadas, nenhuma funciona. A aventura não parece ser divertida, nem mesmo para o fraco protagonista escolhido. O jovem Ferdia Shaw é sem expressão e não entrega absolutamente nenhum carisma ou protagonismo, essa função acaba ficando para Lara McDonnell (Simplesmente Acontece), que rouba a cena e estrela os melhores momentos do filme, como uma cena (na vibe Mercúrio de X-Men) em que precisa deter um trasgo gigante na cidade. Fora ela, Colin Farrell (Animais Fantásticos) é desperdiçado, Judi Dench (Cats) parece sem vontade de estar no papel da Comandante e Josh Gad (A Bela e a Fera) vive o alívio cômico sem ânimo, sem graça e o narrador que mais atrapalha do que ajuda o desenvolvimento da história.
Ainda que as escolhas visuais e a construção de um mundo de fantasia futurista, cercado de fadas, elfos e anões seja interessante e promissor, esse universo é mal explorado pelo roteiro e pela direção, que entrega alguns conceitos, como a paralisação do tempo, sem explicar exatamente como tudo funciona ou foi criado A clássica ideia da sociedade secreta no submundo é clichê, já foi feita à exaustão e não agrega nenhum valor. É apenas um visual incrível para disfarçar a falta de direção da história e a falta de segurança da direção. Ao seguir o modelo da “jornada do herói”, típico desse tipo de obra, a trama é tão desenfreada que não para pra estabelecer conexão com o público. Não temos empatia pelas perdas do protagonista, diferente de ‘Harry Potter’, por exemplo, que sentimos a dor e angústia do personagem após perder seus pais, nessa adaptação da Disney tudo parece engessado, feito apenas para cumprir tabela e sem emoção. Do mesmo modo que a ação começa, ela termina e tudo fica bem, sem nenhuma consequência ou nuance entre o bem e o mal ou certo e o errado.
Dessa forma, com ‘Artemis Fowl: O Mundo Secreto’, fazia tempo que um livro infanto-juvenil não era tão mal adaptado para os cinemas. Definitivamente a Disney pega uma história realmente criativa e joga no lixo, para entregar um filme apressado, sem humor e sem o menor carisma. O roteiro, extremamente infantilizado e clichê, ignora os fãs dos livros, que já estão adultos, e só serve mesmo para preencher catálogo no Disney+ como um perfeito clickbait para as crianças. Infelizmente, é um filme que deveria ter acontecido 10 anos atrás. O promissor mundo de fantasia futurista é um completo tédio, não importa a idade.