Crítica | ‘Little Fires Everywhere’ é a série que precisávamos desde Big Little Lies

A trama de ‘Little Fires Everywhere’, nova série Original Hulu, faz jus ao seu nome: é muita treta acontecendo ao mesmo tempo, em todos os lugares. Esses “pequenos incêndios” são fragmentados ao longo de oito capítulos e quando são acumulados, se tornam impossíveis de serem apagados. A inteligência de fazer uma alegoria desse nível para dramas familiares e reviravoltas interessantes vem da autora Celeste Ng, responsável pelo livro best-seller que serve de base para a série e, com uma narrativa intrigante e cercada de mistérios, similar a de ‘Big Little Lies’ e a das séries da produtora Shonda Rhimes (How To Get Away With Murder), a trama se divide em dois núcleos, com duas protagonistas fortes e poderosas, e coloca fogo em literalmente tudo que possa deixar o espectador entretido, no melhor estilo “Michael Jackson comendo pipoca no videoclipe de ‘Thriller'”

A história se passa no final dos anos 1990, mas também caminha por alguns anos no passado, para aprofundar suas personagens e responder mistérios que são lançados nos primeiros capítulos. Cada núcleo tem um pilar de sustentação. Por um lado temos uma família branca, de classe média alta, formada por Elena (Reese Witherspoon), mãe de quatro filhos adolescentes, que vive uma vida farta e sem problemas aparentes, já por outro, temos Mia (Kerry Washington), uma mãe solo, que precisa criar sua filha em meio a falta de dinheiro, já que vive apenas de sua arte. Quando esses mundos tão opostos se colidem, o circo pega fogo e uma sucessão de intrigas estabelece a magia da história e sua energia para manter o público imerso na proposta.

A estrutura do roteiro é sagaz e manipuladora, já que entrega pouco a pouco informações sobre as duas personagens, justamente quando uma está sendo “favorita” dentro da trama. Ou seja, começamos a gostar de uma delas e o tapete é puxado. Dessa forma, conhecemos suas diferenças, imperfeições e peculiaridades e mergulhamos em suas famílias desajustadas, seus problemas particulares e nos dramas dos filhos adolescentes. É realmente muita subtrama sendo desenvolvida ao mesmo tempo e algumas acabam perdendo a sensibilidade. Como o plano é colocar ainda mais lenha na fogueira para montar o quebra-cabeça, a história atira para todos os lados, seja para mostrar cenas de aborto, romances não correspondidos, adolescente descobrindo a sexualidade, traição, roubo de bebês, racismo estrutural, maternidade e por aí vai. É assunto demais por metro quadrado e, por mais agitada que a trama possa ficar, em determinado momento cansa pelo excesso.

Ainda assim, se os primeiros episódios são responsáveis por manter o suspense em alta e provocar inquietação, especialmente através da personagem Mia, que aparentemente é fria e insensível, colocada quase como uma vilã, até que seu passado é explorado mais afundo e descobrimos detalhes importantes, os últimos capítulos são um mergulho emocional e delicioso por camadas ainda mais profundas dos personagens que acompanhamos. Definitivamente, é uma série de altos e médios, pois nunca fica ruim, apenas comete deslizes que soam forçados demais, manipulados demais, como todo o lance com a bebê oriental, que acaba sendo o pivô para a história doce e bonita desmoronar, mas que poderia ter sido desenvolvida de outra forma, sem tantas coincidências artificiais. Ainda assim, ganha força no final.

Apesar de todo o elenco, especialmente os jovens, ser excelente, nos pontos altíssimos estão as performances de Reese Witherspoon (The Morning Show) e Kerry Washington (Scandal), duas criaturas extraordinárias, que elevam o nível de suas personagens através de um trabalho realmente deslumbrante. É uma delícia assisti-las, de verdade. Aliás, as atrizes Anna Sophia Robb (The Act) e Tiffany Boone (Hunters), que vivem as protagonistas mais jovens, também roubam a cena em um sexto episódio espetacular, de longe, o mais emocional da série.

Dessa forma, ‘Little Fires Everywhere’ é definitivamente o incêndio de intrigas e reviravoltas que estávamos precisando após a decadência de ‘Big Little Lies’. Uma série marcada por atuações notáveis e excesso de tretas, que borbulham até ferver e culminar em uma grande e deliciosa tragédia, daquelas que mantém o espectador boquiaberto a cada desfecho de episódio. Mesmo com alguns exageros e situações que se extrapolam, é um projeto realmente ambicioso e que deve ainda chamar bastante atenção pela qualidade narrativa e, claro, pelos debates importantes que traz à tona conforme a lenha é jogada na fogueira. Pelo desfecho impecável, é difícil desejar que haja uma nova temporada de tão espetacular que é essa adaptação.

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