Crítica | Dolittle – nem Robert Downey Jr. salva esse remake

Hollywood tem dificuldade de compreender que algumas histórias já estão saturadas. E, para completar, os realizadores desperdiçam boas oportunidades de agregar alguma novidade que seja em um roteiro que tanto já foi espremido no cinema, como é o caso dos filmes do Dr. Dolittle, baseados nos livros de Hugh Lofting, cuja primeira adaptação foi lá em 1967, com ‘O Fabuloso Doutor Dolittle’. De lá para cá, o personagem já ganhou mais cinco filmes, sendo os dois primeiros estrelados por Eddie Murphy, que pulou da franquia antes que a história se tornasse um absoluto caos. Com isso, essa é a sétima adaptação e serve como remake, já que ignora a existência da franquia anterior e explora o segundo livro protagonizado pelo personagem, ‘A Viagem do Dr. Dolittle’, de 1922. Com poucas novidades, o longa aposta todas as suas fichas na escalação do carismático Robert Downey Jr. (Vingadores: Ultimato) como o personagem principal e plenamente acredita que isso já é motivo o suficiente para atrair público. Infelizmente, dessa vez o navio afunda antes mesmo de partir para jornada.

A mudança de ator e a computação gráfica nos animais falantes são as únicas “novidades” da trama, que mostra o excêntrico veterinário partindo para uma aventura em alto mar, em busca de uma cura após a jovem rainha (Jessie Buckley) adoecer. De fato, há uma tentativa de agregar alguns elementos mais sofisticados, como a abertura feita totalmente em animação 2D e os efeitos digitais, que aproximam o filme de outros como ‘Piratas do Caribe’, já que as adaptações anteriores eram completamente contidas e pé no chão. Porém, esse é um caso em que menos definitivamente é mais e os excessos, na esperança de fazer um filme grandioso, surtem o efeito contrário. A divertida proposta e simplicidade da primeira franquia era o charme que também a fazia funcionar, tanto pelo carisma dos animais reais, quanto pelo humor pastelão de Murphy. Dois elementos fundamentais para esse tipo de filme infantil, mas que foram deixados de lado dessa vez.

Com a ausência de charme no roteiro, que corre contra o tempo para contar toda história em menos de duas horas, o carisma de Downey Jr. até consegue segurar a trama na grande maioria do tempo. Não que o ator se esforce para isso, ele apenas vive o mesmo personagem caricato e hilário que faz em todos os filmes, inclusive, teria sido um excelente papel a ser dado para Johnny Depp, pelos mesmos motivos. Não está fantástico e nem ruim, apenas parece sua versão de Sherlock Holmes disfarçado de Dolittle. Dos males, o menor, já que a direção maluca e apressada de Stephen Gaghan (Syriana) é o grande problema. O ritmo da narrativa é acelerado e, por mais que isso venha a trazer benefícios em outros filmes, cansa mais facilmente aqui pelo excesso de diálogos e cenas de ação sendo apresentadas ao mesmo tempo, isso sem contar o uso absurdo de CGI nos cenários e os múltiplos animais falando e interagindo em uma mesma cena, o resultado é uma verdadeira bagunça.

Respirando fundo e colocando de lado as imperfeições, é compreensível algumas decisões da produção se visarmos o público alvo, bem mais infantil do que o das comédias dos anos 90. Isso justifica o uso de computação nos animais (que, por sinal, estão bem realistas!) e a historinha água com açúcar. O texto, mesmo que ligeiro, possui algumas boas piadas, em especial vindo dos bichos, fora o visual realmente belo dos cenários digitais, um atrativo para o público mais novo e um filme que funciona se visto em família. Só é uma pena que essa superficialidade seja o único agrado que o longa possa oferecer, até mesmo o grandioso elenco de dubladores, que conta com nomes como Tom Holland, como cão Jip; Rami Malek, como a gorila Chi-Chi; Emma Thompson, como o papagaio Polinésia; Ralph Fiennes, como o tigre Barry; Selena Gomez, como a girafa Betsy e Octavia Spencer, como a avestruz, é ofuscado pela narrativa corrida, que não dá espaço para ninguém brilhar. Aliás, Antonio Banderas (Dor e Glória) vive um vilão completamente descartável.

Ao levar tudo isso em consideração, é difícil decidir o que se torna pior dentro do caos de ‘Dolittle’. O roteiro, ainda que siga fielmente a trama do livro, é raso, a direção é uma bagunça e os animais perdem o charme por serem completamente recriados digitalmente. A partir do momento que o remake pega uma premissa tão superficial como essa e força um blockbuster ao nível Disney, é de se esperar que a receita vá desandar. E desanda, na verdade, desce ladeira abaixo em alta velocidade rumo ao esquecimento. Robert Downey Jr. e seus “animais fantásticos” podem até ser uma aventura descontraída para toda a família, mas faz sentir saudades da simplicidade e do humor pateta de Eddie Murphy.

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