Crítica | Adoráveis Mulheres – Um doce e sofisticado presente de Greta Gerwig a todas as mulheres

Poucas cineastas conseguem captar tão bem o íntimo feminino quanto Greta Gerwig. Seu olhar atento aos detalhes e aos sentimentos profundos, torna suas obras prazerosas e imprescindíveis para o cinema atual. Enquanto em ‘Lady Bird’, Gerwig explora a maturidade de uma jovem mulher, seu novo filme, ‘Adoráveis Mulheres’ (Little Women) retoma o assunto, porém, o amplifica de forma a se tornar o trabalho mais desafiador e ao mesmo tempo sofisticado de sua carreira. A trama do filme, baseada no livro de Louisa May Alcott, já rendeu outras quatro adaptações para os cinemas (desde 1917) e agora retorna as telas no melhor momento possível para acontecer, já que Hollywood passa por significativas mudanças de inclusão e igualdade, porém, será que essa nova versão consegue agregar novidade sem parecer apenas que foi feita para preencher um movimento?

Por um lado, sim. Há maior liberdade para se trabalhar certos assuntos e o roteiro dessa versão, assim como o olhar delicado de como é ser uma mulher, retratado pela diretora, são eficientes em deixar claro que se trata de uma desconstrução romântica e que suas personagens podem destoar do clichê filme de época convencional, em que mulheres existem apenas para se casar e cuidar da família. Apesar de mostrar que isso também é uma decisão delas, mesmo que seja por conta da falta de outras oportunidades oferecidas pela sociedade patriarcal, a trama se aprofunda na vida de quatro irmãs completamente diferentes entre si, mas que se preenchem quando estão juntas. Jo (Saoirse Ronan), Beth (Eliza Scanlen), Meg (Emma Watson) e Amy (Florence Pugh) amadurecem na virada da adolescência para a vida adulta enquanto os Estados Unidos atravessam o período da Guerra Civil. É o amor que nutrem umas pelas outras o grande elo que torna a obra bela e emotiva.

Apresentada de forma não-linear, a história intercala momentos do passado com os acontecimentos do presente. A direção de fotografia faz esse trabalho de distinção através do uso das cores e filtros. O passado é vivo, amarelado e segue tons claros, já o presente da trama, é sem vida, azul e frio. Um, realça a alegria e os prazeres da adolescência, e o outro, as obrigações e dores de uma vida adulta. A direção sofisticada de Gerwig se mostra mais madura, com planos sequências, câmera lenta e ótimas composições, uma grande evolução após seu último trabalho. Além disso, a parte técnica está impecável, desde a direção de arte, figurinos até a montagem do filme, repleta de match cuts entre o passado e o presente. O elenco então é um show à parte, uma seleção perfeita de ótimos jovens atores e atrizes que estão em ascensão. Apesar da presença marcante de Meryl Streep (A Lavanderia), é Saoirse Ronan (Lady Bird) a grande estrela e o longa a deixar brilhar. Florence Pugh (Midsommar), Emma Watson (Harry Potter e as Relíquias da Morte) e Timothee Chalamet (Me Chame Pelo Seu Nome) também esbanjam talento. A química entre as quatro irmãs é magnética e natural em cena.

Já o romance desajeitado e o tom do humor, lembram filmes como ‘Orgulho e Preconceito’, com piadas rebatidas e ironias sobre a cansativa vida no campo, que zomba do luxo e explora a pobreza. Além de claro, realçar com vigor debates feministas e como a sociedade machista da época oprime e rebaixa as mulheres. Fazendo um paralelo com o drama nacional ‘A Vida Invisível’, que também explora o assunto, ambos servem de forma didática para mostrar (e não permitir esquecer) os motivos pelos quais a luta das mulheres por igualdade é tão fundamental nos dias de hoje. Apesar de haver pouca diversidade racial (problema recorrente nos filmes da Gerwig), ao menos foca em corrigir detalhes ultrapassados, como por exemplo, dar um final diferente à história de Jo, algo que funciona perfeitamente dentro desse novo contexto.

Dessa forma, ‘Adoráveis Mulheres’ aquece o coração com alegria e inspiração através da dor. O elenco tem carisma de sobra e a direção de Greta Gerwig se prova madura e sofisticada. O ritmo tem alguns desequilíbrios, mas o roteiro cospe fogo quando se trata de expor as razões pelas quais todos merecemos direitos iguais. É uma doce e espirituosa carta de amor a todas as “pequenas mulheres” que tornam o mundo um lugar melhor. Sem dúvida, uma jornada cativante pelo íntimo de personagens realmente adoráveis.

Este filme foi assistido na cobertura oficial do Festival do Rio 2019.

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